sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Era uma vez na Macedônia

Eram dois compadres. Cumpádi A chamou Cumpádi B para tomar um café (toma-se muito café na Macedônia). Cumpádi B aceitou de bom grado, e Cumpádi A murmurou para a mulher na cozinha colocar sal no café do amigo. Cumpádi B tomou o café até o fim, agradeceu e tomou seu rumo, pensando, o que é seu tá guardado. Mais ou menos um ano depois, Cumpádi A, admirado com a plantação de Cumpádi B (muitas pessoas têm hortas em seus jardins na Macedônia), resolve comprar-lhe três caixas de batatinhas para plantar. Claro, diz Cumpádi B, passe amanhã que estarão prontas para levar. Cumpádi B colhe as batatas, cozinha (mas não muito), suja-as novamente com terra, e entrega as caixas ao amigo no dia seguinte. Cumpádi A faz sua plantação satisfeito, investe tempo, energia e dinheiro, mas passam-se os meses e as batatas de Cumpádi A são as únicas do vilarejo que não brotam. Contrariado, Cumpádi A vai tomar satisfação com Cumpádi B, que lhe diz hum... eu acho que sei qual é o problema. Minha mulher deve ter posto muito sal.

Relato real de J., jovem, loura, alta, de olhos claros e muitas traquinagens no currículo, segundo a qual no seu país, a Macedônia, esse tipo de "brincadeira" é tradição. Você sabe onde fica a Macedônia? Pois um pedacinho dela estava ali, no apartamento de B., um brasileiro que conheceu meu pai em Natal-RN há algumas semanas, e me convidou para jantar. E lá estava J., que é amiga da esposa uruguaia de B., com seu namorado neo-zelandês, contando suas histórias na sala espaçosa de janelonas com uma vista fantástica para o rio Tâmisa, na área nobre de Wandsworth. E lá estava J., um pedacinho da Macedônia comendo coxinha, pão de queijo e castanhas de Natal-RN e causando muitas risadas em uma noite aconchegante. E a isso, eu chamo de Londres. Sal a gosto.

domingo, 18 de outubro de 2009

A felicidade morava tão vizinha

À noitinha, N. desligou o computador. Tinha sido um longo dia de trabalho. Ela encheu um cálice de vinho tinto e colocou-o ao lado do piano, para saboreá-lo entre uma peça e outra. Disse que C. prometera levá-la para jantar, mas estava no bar com os amigos [Ah, que típico... ela pode esperar sentada, talvez ele nem sequer apareça, você vai ver]. Ela serviu-se um pouco mais de vinho, e fomos assistir o mundial de ginástica na TV. Estou com fome, ela disse [Ah, coitada. É besta, hein? Fica aí passando fome enquanto o outro tá lá, tomando uma, nem aí. Mulher é tudo besta mesmo.]. Mas sabe, as coisas não estão fáceis pra ele no trabalho. Ele precisa de uma sessão de reclamações no bar com os amigos. [Sim, essa desculpa morreu de velha. Ouve esse conselho, melhor ligar e mandar ele vir, se não vai morrer é de fome] C. não tardou. N. o recebeu com um sorriso [Mas no fundo, com certeza, ela deve estar louca para pegar uma boa briga]. Ele disse que ela estava linda com seu pulôver de listras azuis [Claro, querendo agradar]. Foram jantar [Aposto que ela ficou de cara feia, ele perguntando o que ela tinha, ela dizendo que não era nada, que estava ótima]. Voltaram rindo e batendo papo, como sempre [O que?? Nem uma discussãozinha?]

N. também sai para beber com os amigos. N. geralmente fica mais bêbada que C. C. viaja para esquiar com o pai. N. acha que estar com alguém sem precisar de papel passado é a maior prova de amor diária que se pode dar. C. até que gostaria de um casamento tradicional. N. apoia tudo que faça C. crescer, e que o faça feliz. C. apoia tudo que faça N. crescer e que a faça feliz. C. cozinha para N. N. cozinha para C. Desconfianças, picuinhas e dependência definitivamente não fazem parte deste relacionamento. Mas eles adoram estar juntos. Se vão ser felizes para sempre, eu não sei. Mas N. e C. são sempre felizes.

Li em algum lugar que somos tão felizes quanto decidimos ser. Vai ver, é verdade.

sábado, 26 de setembro de 2009

Tem certos dias em que penso em minha gente

Às vezes, eu tenho medo de perder a fé. Medo que aqueles que deixam o Brasil porque não há oportunidades, não há condições, não há segurança, não há esperança, me convençam de todos os seus nãos. Medo que aqueles que ficam, mas que só reclamam, porque nada funciona, nada vai pra frente, nada dá certo, nada vale a pena, me convençam de todos os seus nadas. E, juntando os nãos e os nadas que eu vejo e ouço por todos os lados, eu olho pro meu idealzinho, que se encolhe num canto, meio sem resposta, meio sem coragem, quase descrente, mas que ainda me sussurra, um pouco assustado, que há pessoas talentosas, há pessoas que buscam mais do que seu próprio sucesso e seu próprio bem-estar, há pessoas assim que vão ficar, e vão contribuir pra levar o país um pouquinho mais pra frente que seja, cada uma do seu jeito. Como aquela pessoa honesta que se elege e continua honesta; como aquela geração de professores universitários que foi bancada pelo país durante quatro anos para fazer doutorado no exterior e voltou para abrir mais e mais cursos de pós-graduação; como os músicos que criaram orquestras de meninos no interior e em uma das piores favelas do Recife; como o professor que criou um polo de tecnologia no Recife que hoje emprega tantos... A minha fé nestas pessoas, e em mim mesma, é o meu combustível, é o que me leva, é o que me desafia, é o que me inspira. É o que me faz caminhar, votar, brigar, discutir, é o que me faz sorrir. Por isso, eu tenho medo. E se me convencerem de que nada disso adianta?

Há uns meses atrás, uma inglesa radicada em São Paulo veio a Londres e fez uma palestra sobre seu trabalho com educação de crianças surdas. No final, ela contou uma historinha que aprendera no Brasil, sobre o beija-flor que leva água em seu bico para apagar o incêndio da floresta, porque assim se resolvem os grandes problemas, cada um fazendo sua parte. Ou, como cantam Os Saltimbancos, junte um bico com dez unhas, quatro patas, trinta dentes e o valente dos valentes ainda vai te respeitar.

Enquanto eu assistia A orquestra dos meninos, as lágrimas caíam e o medo crescia. O medo de que tudo seja inútil. Mas a história acabou bem - ou melhor ainda, a história não acabou. E por isso meu coração ainda briga para não ser convencido de que é melhor deixar pra lá e dizer ao último que apague a luz ao sair. Pois ainda que eu compartilhe de uma ingênua ilusão, talvez produto de um coração jovem que ainda não se decepcionou o suficiente para desistir, ainda é deste sonho que prefiro viver.

Estou recrutando beija-flores.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

"Metade de mim é a lembrança do que fui. A outra metade, eu não sei."

Eles aprendem cedo. Saem de casa aos 17, 18. Mudam de cidade, ganham o mundo. Aprendem a cozinhar, pagar contas, fazer limpeza, cuidar de si mesmo. E não há volta aos cuidados de mummy & daddy. Cada um se vira e dá conta de si. Homens e mulheres, meninos e meninas, voltam sós da balada nos ônibus noturnos, não dão "um toque no celular" do amigo para avisar que chegaram bem. Ninguém leva ninguém ao ponto do ônibus, as meninas não vão em dupla ao banheiro e os namorados não andam de mãos dadas. Ninguém manda um beijo no final das ligações. Ninguém passa a mão na cabeça de seu ninguém. E assim se aprende a se virar sozinho - mesmo que haja parceiros, amigos, família por perto, as pessoas sabem fazer as coisas so-zi-nhas. No problem, mate.

Eu aprendi. E já não sofro mais. E já não sei mais se isso é ruim ou bom. O que no começo me soava como uma frieza inaceitável, um "tou nem aí" cruel, foi aos poucos alimentando em mim uma crescente e sedutora individualidade. E, como que por vingança, eu levanto a cabeça com um certo orgulho nas ruas, como quem diz, pois bem, eu também não estou nem aí pra vocês. Agora eu também sei me virar.

Por outro lado, é verdade que o bicho-do-mato que eu já era anda sendo tão cevado que está praticamente um monstrinho. Um monstrinho que não entende por quê pelo amor do guarda eu tenho que contar minha vida toda à dona do restaurante somente porque eu sou brasileira e ela também - quando eu gostaria apenas de saborear a minha feijoada. Vem cá, te conheço? Um monstrinho que fica estupefato quando escuto de uma senhora brasileira que acabo de conhecer, em um ambiente profissional, detalhes íntimos sobre a vida pessoal de terceiros. Um monstrinho que me implora para que eu não vá à cabelereira que me chama de "gatchinha" e que vai se espantar e me cobrar explicações para o fato de eu ainda não ter arrumado um namorado.

E tais incursões por ilhotas culturais brasileiras em Londres vêm fazendo crescer em mim um outro tipo de solidão. Como se agora meu olhar fosse estrangeiro em quaisquer terras e em parte alguma eu seja entendida. Porque ainda que agora eu necessite de doses de solidão quase diárias, para ouvir minha música, para observar o mundo à minha volta, para criar e recriar meus sonhos, ou simplesmente ficar em silêncio, sem ter que pensar em alguma coisa pra dizer; mesmo que agora eu tolere ainda menos o constante controle sobre a vida do outro tão comum entre casais brasileiros, mesmo que eu preze cada vez mais o meu direito de ser eu e de ser livre, e de poder ir a um casamento sem pintar as unhas sem que isso cause um escândalo entre todas as mulheres da festa (sim, porque os homens - viva a simplicidade masculina - não iriam nem perceber), ainda assim, não sou e nunca serei como os ingleses.

E aí eu olho, ouço, leio, escuto, e me pergunto: onde é o lugar onde não se fala tanto da vida alheia, mas mesmo assim manda-se um beijo antes de desligar? Onde é que meu namorado vai segurar a minha mão com carinho, e eu nem precise fazer uma escova para acompanhá-lo à sua formatura? Onde vai ser aquela festa a que eu possa ir desacompanhada mesmo que tenha um parceiro fixo e ninguém vai logo achar que tem alguma coisa errada no relacionamento, e no fim da noite alguém vai se oferecer para me acompanhar até o carro?

Quero um picolé de coco na praia com o sol a pino e os amigos, a família, o cachorro e o papagaio em volta, e um chá inglês e uma banheira quente, em um fim de tarde frio, ouvindo as acústicas dos Beatles, melancolicamente sozinha. Pois "tenho fases, como a lua. Fases de andar escondida. Fases de vir para a rua. Perdição da minha vida! Perdição da vida minha! Tenho fases de ser tua. Tenho outras de ser sozinha." (Cecília Meireles)

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Eu ando em frente pra sentir saudade

"Sim... estás precisando de algo? com saudade de algo? Pensa se queres que eu leve alguma coisa daqui e me avisa."

Tenho saudade do sol. Me traz um verão? Sabe daqueles em que você sai sem um casaquinho e nem passa frio? Ah, vai, aposto como você acha um facinho, facinho, por aí. Imagina, quando você chegar, e abrir sua mala, e aquele raio brilhante de sol inundar meu quartinho? As meninas vão estranhar a luz forte escapando pela fresta da porta. Vai ser uma sensação!

Tenho saudade do mar. Manda vir Tamandaré. E deixa vir junto o vendedor de doce japonês, o menino do amendoim, aquela moça simpática das castanhas e um carrinho do picolé caseiro Caicó. Espero que passe na alfândega.

Uma rede. Em uma varanda (deixa que a brisa eu arrumo por aqui).

Tenho saudade da Várzea. E de um tempo que nunca voltará. E de uma casa que já não é mais. E de tantas fases da minha vida em um mesmo lugar. Das minhas andanças pro inglês, pra academia, pra escola, pra universidade, para a parada de ônibus do CFCH. Das minhas andanças. Eu e minha música. E sempre alguém para encontrar nos meus destinos, ao longo dos anos. Passa lá na parada? Vê se tem alguma pulseirinha legal em uma das barraquinhas. E antes de ir embora, pega aquela rua que vai do CTG até a igreja, e compra uma tapioca de queijo e leite condensado (pede pra moça caprichar no leite condensado).

O Marco Zero. Com todos os seus reveillons e carnavais.

Manda vir a sorveteria John's ali da Madalena, e diz pro bigodudo reforçar o estoque de banana caramelada.

Minha coleção de DVDs de Chico. Inteira.

Tenho saudade da Ilha do Retiro. Me traz um lugar na arquibancada, com o sol das três da tarde na cara, pra suar e sofrer, como bom torcedor. Me traz um cazá cazá. Eu respondo Sport, Sport, Sport.

Me traz um pedacinho do que fui. Se couber na mala.

Por enquanto é só, se eu lembrar de mais alguma coisa, te aviso. Valeu mesmo e chega logo! :)

sábado, 1 de agosto de 2009

Lá vem o Brasil, descendo a ladeira?

Algumas verdades a serem levadas em consideração
1. Eu acho que os meios de comunicação têm sim, que denunciar, reclamar e dar voz aos menos favorecidos;
2. Eu acho que os menos favorecidos têm sim direito a uma assistência especial do governo até que se estabeleçam condições justas de partida na disputa pelas oportunidades da vida;
3. Eu não acho que os meios de comunicação devam divulgar reportagens que desprezem a minha capacidade de discernimento.

O objetivo da reportagem especial Das palafitas às ilhas de concreto é criticar o programa habitacional da prefeitura do Recife. Que seja. Mas das duas uma: ou os jornalistas foram extremamente infelizes nas escolhas de seus argumentos, ou trata-se de uma tentativa vazia e sem fundamento de ataque barato ao governo (obs: a questão da estrutura dos prédios é um dos poucos argumentos da reportagem que me pareceu válido).

O fato em questão:
- A prefeitura construiu conjuntos habitacionais e para lá transferiu parte das famílias da comunidade de palafitas Abençoada por Deus.





O que diz a reportagem:
- "Em julho de 2008 a prefeitura transferiu menos da metade das familias para um conjunto habitacional".
Ok, há muito mais a ser feito. Nessa comunidade, nas outras comunidades, nas outras cidades, nos outros países. Mas não seria uma boa coisa o fato de que alguém pelo menos fez uma parte?

Tudo bem, vamos em frente. A reportagem então começa a desfilar alguns absurdos identificados no novo conjunto habitacional:
- "o jogo de dominó é improvisado em cima de tábuas que ficam apoiadas nas pernas dos participantes";
- "não bastasse a disputa entre os pequenos" (pela área para jogar bola), "a turma da terceira idade reivindica igualmente o direito de andar pela pracinha"
- depoimento de uma moradora: "eles (as crianças) precisam gastar energia e não têm um balanço sequer!"
- "das flores e plantas ornamentais presentes no dia da inauguração do residencial, sobraram apenas arbustos secos"
- "disseram que o contrato seria entregue nos primeiros meses da transferência, mas nos jogaram às pressas aqui dentro e ainda não temos nada"
- "o consumo de drogas também é grande. Lógico que lá também existia isso, mas não da mesma forma como aqui dentro"

Peraí, minha gente!! Eu sou uma pessoa extremamente privilegiada nesta vida, e jogava dominó no chão na escola (nem tábua a gente tinha). Nos prédios onde morei, nunca houve playground, e em um deles éramos proibidos de entrar no jardim. Até onde eu saiba, isso nunca virou notícia de jornal nem me causou nenhum trauma psicológico.
Se havia belas plantas na inauguração, por que os moradores não cuidaram delas?
O contrato não foi entregue ainda? Ok, isto está errado, mas já não é bom ter um lugar decente para morar? Se eles estão nas palafitas, reclamam (lógico!), se são transferidos pro apartamento, reclamam que são jogados às pressas (ilógico?)!

O ponto é: tuuudo culpa da prefeitura. As plantas morreram? Culpa da prefeitura. As pessoas estão se drogando mais do que nas palafitas (!?!) ? Culpa da prefeitura. Tem violência e sujeira? Culpa da prefeitura. Pois assim encerra o jornalista: "sempre nos dá um aperto no peito em ver o descaso dos governantes com o povo tão sofrido e massacrado pela vida". Ah, pelamordedeus...

Então, a lógica é: a prefeitura constrói prédios e transfere as pessoas. Aí, as crianças não têm onde brincar (ah, porque lá nas palafitas devia ter uma Disneylândia), as pessoas têm que jogar dominó em tábuas (ah que saudade das salas de jogos das palafitas!), as plantas morrem, as pessoas se drogam mais, ou seja, dá tudo errado. Tudo por causa do descaso dos governantes. Conclusão? A que eu tiro dessa reportagem é: o programa habitacional da prefeitura está fazendo um mal danado à população.

Cá com meus botões, no entanto, eu vos confesso... enquanto as pessoas não tiverem acesso a uma educação que lhes permita cuidar do que recebem, compreender a lógica da coisa e organizarem-se em suas comunidades, não vai ter conjunto habitacional que resolva. Como declarou a própria líder comunitária: "é incrível porque é a própria comunidade que quebra tudo". Preciso dizer mais alguma coisa? Ah, sim, a culpa é do governo.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Quanto mais triste, mais bonito soa

Sábado, Notting Hill

Seus movimentos são mínimos. Como se tivessem medo de pisar onde não deviam, bater em alguém ou derrubar algo, ou como se não tivessem direito de ocupar nenhum milímetro fora daquele espaço ali naquela calçada, ou como se alguém pudesse lhes roubá-lo, ou como se não tivessem domínio de seu próprio corpo e alguém os tivesse posto ali, e naquela posição, e a eles nada mais restasse a fazer a não ser cantar, até que voltassem para buscá-los, salvá-los e ajudá-los quem sabe a contar as moedas. Pés juntos demais, pernas um pouco tortas, eles olham meio pra cima, meio pra frente, não, eles olham para o nada. E o que será que veem lá...

Eu vejo a eles. Um segura o violão, o outro segura a capa do violão, para receber as moedas, bem junto a seu corpo, os braços dobrados, as mãos cerradas, como que para que ninguém leve esta capa, nunca, em nenhuma circunstância, por nada neste mundo.

Eu os escuto. Vejo a boca que abre e fecha tímida, medrosa, a ponto de quase não deixar sair a voz fina, fraca. Uma voz que parece vir do coração, resultar de tamanho esforço, de sofrimento, de profunda concentração, para agradar ao máximo, quiçá para não desafinar. Como se pudesse haver alguma punição. Como se pudessem fazer desaparecer todas as moedas.

Passam os passantes. Pra lá, pra cá. Agitados, barulhentos.
E no meio de tudo surgem os acordes de I Will. Mágicos. Lindos. Chego perto, deixo-me por ali, cantarolo bem, bem baixinho, tenho vontade de chorar. Quase bato palmas. Quase chego entre os dois e digo great choice. Quase decido não sair mais dali.

Mas sigo. Sem que eles saibam que eu existo, que passei por ali, que parei, que ouvi, que cantei, que me emocionei, que nunca tinha escutado I Will assim em uma calçada.

E eles seguem. Sem saber que tinham acabado de passar pela minha vida, que iriam virar personagens deste texto, que iriam ser apresentados a vocês leitores, que iriam ser recriados em diversas imaginações.

Os rapazes do olhar perdido de Notting Hill. E o que será que eles veem...

And if I ever saw you, I didn't catch your name, but it never really mattered, I will always feel the same.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

A day in the life

Foi difícil sair do conforto de minha cama com a chuva batendo na janela
("hoje a chuva me acalma e também me faz pensar que se hoje ela se foi, amanhã irá voltar"). Após uns 15 minutos brigando com o despertador, me dirigi à cozinha no meu modo zumbi, com o único intuito de buscar uma colherada do brigadeiro que tinha feito no fim de semana, e voltar para a cama a fim de apreciar minha habitual dose matutina de glicose e cafeína com toda a calma que ela exige.

A trilha sonora que escolhi para o percurso até o lab não podia ser outra: forrozinho do Estakazero, para esticar o clima do show de Falamansa da noite anterior, ainda que depois do êxtase, me invadisse uma romântica melancolia, daquelas que fazem a gente achar tudo lindo e triste ("há muito tempo meu pensamento anda longe, na cidade tão distante que o destino me levou").

No lab, construí de isopor mais um objeto para as crianças usarem na nossa mesa interativa. Pintei de azul, e as gostosas pinceladas me fizeram querer voltar à escola ou virar uma artista. Não é todo dia que se pinta algo.

Almocei na agradável companhia de um colega brasileiro, e no meio da tarde escapei para um chocolate quente com as meninas do doutorado, uma da Grécia, uma do Japão, uma do Kuwait. Nunca pensei que fosse conhecer alguém do Kuwait ("se a vida é pra viver, vamos curtir o momento").

Vi um sapatinho preto na vitrine e quis comprar, mas estava sem dinheiro. Fui à biblioteca e na volta atravessei a Russell Square e a essa altura o sol brigava valentemente com as nuvens negras ("eu quero entender, eu quero entender, por que a roda da vida é assim, se é ruim desistir de alguém, então pior ainda é tentar esquecer").

No fim do dia um colega de Cingapura comentou que estava tarde e perguntou se eu costumava comer na rua ou em casa e depois de responder "em casa" eu fiquei pensando se ele estava muito timidamente procurando companhia pra jantar. Passei no mercado e o que me custou mais caro foram as cerejas e o peito de frango, enquanto as batatas estavam a preço de banana. Pra jantar fiz uma salada de cogumelos, tomates, espinafre e queijo brie, com folhinhas do nosso pezinho de manjericão, e sentei com Nicola em frente à TV. Preparei a famosa cup of tea para nós duas, Chris chegou do futebol com duas cervejas e elogiou minha saia.

No meu mundinho virtual, encontrei pessoinhas queridas e logo logo ficou tarde ("meu bem querer, minha esperança é não sofrer, eu morro, fico triste sem você"). Nem cuidei das roupas que precisam ser lavadas à mão. Amanhã vou experimentar o sorvete de caramelo e canela que Nicola comprou pra mim. Vesti minha camisola com as palavras "no meu coração" em letras grandes e cor-de-rosa, presente de D. Ju. Já já mamãe chega por aqui. Espero que o isopor não chupe a tinta azul. Tenho que ver quando vou devolver o livro. "No meu coração". Tá bom de trocar esses lençóis. Amanhã termino de organizar os resultados dos testes das crianças nem que faça serão. E preciso lavar esse cabelo. Night night, sleep tight. ("e a saudade da terra no meu coração")

sexta-feira, 15 de maio de 2009

They are sorry now

Comida de bicho. £4000 pra dar um jeitinho no jardim. Um home theatre. Um ipod. Mais de mil libras por quatro espelhos. Troca de todas as lâmpadas da casa de uma vez. Reforma da piscina. Quadra de tênis. Etc, etc, etc.

Cada um que escolha seus luxos. Mas eles pediram reembolso aos cofres públicos. E seus desejos foram realizados. Assim reinava a paz e a felicidade geral da nação até que veio o lobo mau e ops! encontrou a singela lista de despesas, que foi prontamente passada para seus amiguinhos jornalistas.

Aí foi aqueeeela coisa né. Eles primeiro puseram a culpa no "sistema". Porque todos os pedidos estavam totalmente de acordo com "as regras do sistema", portanto, por A + B, eles nada fizeram de errado. Aaahh bom. Aham. Não colou, obviamente. Aí, veio o líder da oposição, do alto de sua juventude, charme, e discursos inflamados, lembrando-me Collor e fazendo com que eu não consiga decidir se ele é do bem ou do mal, e foi curto e grosso: que se devolva tudo!!

Um e outro vieram então ao público cheios de caráter e honestidade, dizendo I'm sorry, mas olhem, eu estou devolvendo! Oh, que admirável, não? Tá devolvendo porque foi pego, né, bonitão? Em outra frente, vieram os espertinhos com o lema: não devolvo porque não estou errado. Devolver significa admitir a culpa. É, não deixa de ter lógica, hein. Well done.

E aí, a essa altura você deve estar pensando que perdeu alguma edição do Jornal Nacional pois não tinha ainda ouvido falar na quadra de tênis (ainda se fosse um campinho de futebol society seria mais útil). É, meus caros amigos, o que acontece é que os protagonistas desta história sentam-se muito posudos não no Planalto Central, mas em um certo prédio secular bem ali do lado do Big Ben.

Taciana, direto da terra de Sua Majestade, ao vivo e em cores, pagando pela ração do cachorro do excelentíssimo Member of Parliament. E nem sequer fui convidada para a inauguração da quadra de tênis. Boa noite.

sábado, 9 de maio de 2009

"O cara mais underground que conheço é o diabo"

ou: Sobrevivendo underground - guia prático para iniciantes

1. Please stand on the right
NUNCA pare do lado esquerdo da escada rolante. O lado esquerdo da escada rolante é para as pessoas MUITO apressadas subirem com suas próprias perninhas. Se você está POUCO apressado ou não está apressado (COMO ASSIM??), então, for God's sake, mantenha-se à direita.

2. NUNCA pare ao sair do metrô
Ou você vai ser atropelado, ou vai causar um engarrafamento humano. Se não sabe para qual lado vai, so sorry, vá para qualquer um.

3. NUNCA pare.

4. Leve a sério todos os avisos que começam com a palavra mind
Mind the gap: não vá cair no espaço entre o trem e a plataforma
Mind the doors: sai do meio que as portas estão fechando
Mind the step: não tropece
Mind the head: não vá bater a cabeça
Enfim, se ligue e não cause transtorno, sim?

5. Please remember to take all your belongings with you
pacote / bolsa abandonados == bomba

6. There are currently severe delays in the central line
Às vezes os trens atrasam, e pode ser por causa de uma falha no sistema ou de uma pessoa que se jogou, não importa, o aviso será dado com o mesmíssimo tom de voz e o ponto é que todas as pessoas muito apressadas vão ficar ainda mais apressadas e o lado esquerdo da escada rolante vai subir em popularidade. Não há muito o que dizer quanto às falhas do sistema, mas porque diabos essa pessoa tinha que se jogar justo nesta linha???

7. Não, eles não querem que você segure nada
É permitido ceder lugar a grávidas e idosos, mas nem sonhe em se oferecer para segurar pertences alheios, sob nenhuma circunstância, nem mesmo se você estiver muito bem sentadinho e algum pobre coitado em pé cheio de pacotes na sua cara. Don't worry. Finja que não está vendo, como os outros. Em Londres, cada um é perfeitamente capaz de dar conta de seus próprios pacotes. E se não guenta, pra que veio?

You become harsh, Taciana. Foi o que me disseram.

sábado, 25 de abril de 2009

Don't save the children

Quando eu crescer, quero ter cinco filhas, cujos nomes começarão com L: Lara (ou Lavínia), Letícia, Lívia, Lorena e Luísa. Se o destino decidir que, depois de crescer aguentando dois irmãos pestes que tiraram o sossego da minha infância (meninos, amo vocês!), eu ainda mereço ter filhos homens, seus nomes começarão com V: Vladimir, Vicente, Valentim, Vinícius.
Se minha vida fértil chegar ao fim antes de eu encontrar um pai para todas essas crianças, eu posso seguir os nobres exemplos de pessoas como Madonna e Angelina Jolie, e sair catando pimpolhos mundo afora para montar uma família arco-íris.

Não sei. Pode ser puro preconceito, mas essa campanha save the children do "primeiro mundo" não me desce garganta abaixo, por mais que eu tente engolir. No metrô, exibem fotos de criancinhas geralmente negras, geralmente africanas, um pouco sujinhas, de preferência descabeladas, meio-sorriso artístico com olhos tristonhos, e ao lado uma frase do tipo: "Fulaninho, 3 anos, Cafundós do Judas, quer ser médico." 3 anos e já quer ser médico?!? Fala sério, deve ser superdotado.
Vem cá, nos EUA não existem órfãos não? Tenho certeza que dá pra achar até um pretinho, hein, Madonna! Mas não, tem que ir lá pras brenhas africanas salvar a menininha um pouco sujinha de seu futuro - ou talvez de seu não-futuro. Tribunais, papparazis, mídia, Lourdes Maria, sorria pra foto, filha, ajeite o cabelo, iupiii, uma festa. Save the chidren.

Aí você vai no mercado e tem os produtos Fair Trade, cuja comercialização é supostamente mais vantajosa e justa para com os produtores (sabe, aqueles pobres coitados lá nas brenhas do interior de não sei onde?). Aí você passa no Starbucks e tem o cartaz "nosso café é Fair Trade, juntos podemos ajudar a melhorar a vida dos produtores de café". Daí você compra seu café, senta com seu jornal e acha que está "contribuindo com sua parte para o nosso belo quadro social". Enquanto isso a campanha do Fair Trade chama os países em desenvolvimento de "terceiro mundo" (ainda?!?) e divulga comerciais na TV mostrando os heróis primeiro-mundistas aterrissando nas brenhas e mudando tudo, trazendo o progresso, construindo isso e aquilo, enfim, salvando os pobres coitados de sua ignorância, suas vidas miseráveis, seu não-futuro. Qualquer semelhança com colonização e imposição sócio-cultural não é mera coincidência. Eles sempre sabem o que é melhor. No fundo, é the same old story: sejam os jesuítas catequizando os índios, seja Madonna retirando bebês do inferno africano para um paradisíaco "primeiro mundo", sejam os EUA invadindo o Iraque, é sempre a filosofia save the children. É aquela visão superior, que humilha em vez de motivar, que gera um círculo vicioso em vez de auto-suficiência e independência, que impõe, de mansinho como lobo disfarçado de cordeiro, passando a mão na cabeça dos coitadinhos, mas mantendo-os sob controle.

Não sei... mas não desce. Desculpem-me o ceticismo e amargura, que podem não combinar com minha habitual visão otimista do mundo e das pessoas, mas tem algo errado no ar, na postura, no tom.

Mas como eu ia dizendo, Luísa, Lorena, Lívia, Letícia, Lara. Ou talvez Lavínia.

terça-feira, 14 de abril de 2009

So long, farewell, auf wiedersehen, goodbye

E aí ele me disse acho que não quero mais, e me abraçou, e eu coloquei a mochila nas costas e olhei para trás e ele ainda estava lá, e olhei através da porta de vidro e ele ainda estava lá, e quando não pude mais vê-lo eu chorei. E chorei por dias e meses até que ele veio até mim e disse tenho certeza que não quero mais e me abraçou ao portão como havíamos feito nos últimos cinco anos mas essa era a última vez. E eu fechei o portão e se ele olhou pra trás eu não sei, e eu chorei.

E um dia eu resolvi partir e abracei muitas pessoas mas não chorei e coloquei a mochila nas costas e se eu olhei pra trás... eu não lembro. E no aeroporto-destino não havia abraços para mim nem para ninguém porque lá só há homens engravatados com plaquinhas para Mr Beltrano ou Mr Fulano.

E desde então foram tantos encontros e despedidas por este mundo de meu deus que já não há lugar para lágrimas, mas sempre há a chance de um abraço. Um abraço, um sorriso, mais uma despedida, virar as costas e seguir rumo, olhar pra frente como quem olha para um futuro enigmático e flutuar em uma romântica melancolia e pensar what's next, o que será que será, com quem, onde, quando, como, por quê. E o melhor de tudo é não ter as respostas.

E assim, como dizem Chico & Edu, ir deixando a pele em cada palco e não olhar pra trás.

E nem jamais

Jamais dizer

Adeus.

domingo, 29 de março de 2009

O de cima sobe e o de baixo desce

Quarta-feira de manhã. Meia hora no trem até Rayleigh. Tempo instável, mas a cada vez que as nuvens se dissipam, um azul esplêndido me hipnotiza. Poucas pessoas nas ruas desta cidadezinha suburbana, como em qualquer outra cidadezinha suburbana da Inglaterra. De tão perfeitinhas, as casas parecem de brinquedo. Flores no parapeito das janelas coloridas festejam a primavera. Portões baixos revelam que não há perigo.
Chego à escola para aplicar um teste em uma turma de adolescentes brancos, sem nenhum rastro de minorias étnicas. Na prepotência de seus 14 anos, as meninas carregam bolsas de madame, exibem seus cabelos escovados e olhos pintados, brincam com os celulares e desprezam a professora. Os meninos tiram gracinhas infantis e fazem bagunça.

Quarta-feira à tarde. De volta a Londres, resolvo explorar uma nova rota para o Tai-Chi. Uma caminhada de uma hora cruzando o bairro de Tower Hamlets, um dos mais carentes da cidade. Nos prédios feios, a proximidade das portas e janelas denuncia o minúsculo tamanho dos apartamentos. Um rapazote toca insistentemente a campainha de um centro comunitário em cujo muro está afixado um cartaz justificando o fechamento temporário do lugar devido ao "comportamento inadequado de certos indivíduos". De repente, me deparo com uma mini fazenda, onde vacas e ovelhas pastam em meio a encombros e lixo. No parque, adolescentes correm loucamente atrás de bolas. Uma feira em seus últimos momentos entulha a calçada com mercadorias baratas.
Todo tipo de minoria étnica cruza-se nas ruas, escancarando seus estereótipos. Negras com seus penteados extravagantes e batons vermelhos gargalham e falam alto. Árabes com suas burcas puxam crianças pela mão, em silêncio. Indianos negociam a cada esquina.
Os centros comunitários oferecem cursos, atividades de lazer, livros, computadores, filmes, jogos, na esperança de apaziguar os ânimos dos adolescentes que andam em gangues a esfaquear-se uns aos outros. Os centros vivem cheios, mas os seguranças atentos são apenas mais uma evidência das tensões que pairam no ar. Tensões de habitantes sem raízes, em busca de uma identidade, vivendo em suas ilhotas culturais em uma Londres de desigualdades. Dizem que Londres não é mais Inglaterra. De fato, nesse ritmo, não vai demorar muito para os ingleses virarem uma minoria étnica em sua própria capital.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Também quero viajar nesse balão


Porque a mesa lá de casa está verde e amarela com os pés de manjericão e coentro e as flores que N. comprou.

Porque Michael Jackson vai fazer um show em Londres no dia do meu aniversário e eu nem gosto de Michael Jackson mas queria dizer que ele vai fazer um show em Londres no dia do meu aniversário. Fora os outros nove, neste mesmo verão.

Porque ao pegar meu exemplar de Fernando Pessoa - Quando fui outro lembrei daquela tarde na Livraria Cultura em que o mesmíssimo exemplar estava em suas mãos e eu o olhava feliz.

Porque C. estava assistindo Juno e por causa disso eu voltei a escutar a trilha sonora do filme que é muito fofa e me traz boas lembranças.

Porque B. me mandou um vídeo de suas escaladas mundo afora que, apesar de ter me deixado com inveja, me divertiu um bocado e deu vontade de ver de novo.

Porque minha lista de pessoas que me tomam por uma indiana cresceu mais um pouco.

Porque minha irmãzinha ficou muito feliz com o cartão gigante de aniversário que mandei pra ela, em formato de urso e cheio de adesivos de gatinhos, e me disse em recado do orkut que iria me "responder pelo correio".

Porque eu quase comecei a dançar no metrô quando a versão em forró do Trio Virgulino para Superfantástico tocou no meu ipod.

Porque ele me contou uma história fascinante, frase a frase pelo gtalk, porque estava no trabalho e "precisava disfarçar", e eu, em fim de expediente, recostada na cadeira e comendo uma laranja, fui criando cada cena em minha imaginação e pensei que eu preferia estar comendo um pastel de calabresa com queijo.

Porque a caminho do King's College atravessei a Waterloo Bridge e avistei o Big Ben e me dei conta que Londres tem suas pequenas maravilhas.

Porque meu professor de Pilates me disse dejame hacer algo e me agarrou os punhos, colou suas costas nas minhas e curvando-se, suspendeu-me sobre si, esticando-me como eu não sabia que podia ser esticada.

Porque um carinha me parou na rua e me mostrando o visor de seu celular perguntou se a mensagem estava escrita corretamente e eu lhe sugeri gentilmente acrescentar um "e" depois do "t" em unfortunatly (sic.).

Porque um amigo me escreveu um email só dizendo que, por nada, bateu uma saudade.

Porque B., quando me escreve, chama-me de Miss P. e eu acho bonitinho, parece que sou uma agente secreta ou uma detetive dos livros de Agatha Christie.

E porque, para essa apressadinha aí ao lado, já é primavera em Londres.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Amigos amigos, friends à parte

Daqui a mais um pouquinho, completo um ano no reino de Sua Majestade, the Queen of England. Não é que me sinta em casa (there's nothing like home) mas ouso dizer que consegui preencher o meu celular com um número suficiente de contatos a quem posso recorrer em uma emergência (touch wood!). Parece dramático, mas a sensação de nobody cares ao se aterrissar sozinha em uma terra estranha assusta, e o fato de saber que alguém vai perceber se você desaparecer já é um grande avanço.
No entanto, laços de amizade não se firmam do dia pra noite, especialmente em um caldeirão cultural como Londres. Aqui, todo mundo tem muitos friends. A palavra voa de boca em boca: "a friend from work", "a friend of mine", "I'm meeting some friends", "that's my friend". Friend, porque não tem outra palavra, mas pode ser alguém que você mal conhece. Não deixa de ser uma companhia legal, mas não é aquela pessoa a quem você vai responder "estou péssima" quando ela vier com o casual "tudo bem?". Você vai responder: "tudo bem". E sem maiores detalhes, falar dos diferentes tons de cinza do céu e daquele dia em que fez sol, do casamento da ex-Big Brother que está com câncer e em todos os tabloides, e das suas últimas e próximas viagens. Dá pra se divertir e dar boas risadas, mas entre tantos friends, contam-se os amigos nos dedos.
Quando voltei da França e passei uns meses na minha antiga escola, falei pra minha vó, com quem morava: "M. é minha melhor amiga". Com sua habitual seriedade, vovó retrucou: "Amiga? Você está lá há pouquíssimo tempo... diga que ela é sua melhor colega, mas não sua melhor amiga.". Fiquei triste, pois estava desesperadamente precisando de amigos, mas nada como a sabedoria dos anos. É, vovó, M. nunca passou de uma friend.
Muitos friends cruzam nossos caminhos e por que alguns deles tornam-se amigos é um mistério. Há alguns dias reencontrei, depois de 17 anos sem contato, minha "grande amiguinha" da temporada francesa. Tínhamos apenas 11 anos quando nos separamos, mas nunca hei de menosprezar a força das amizades dos tempos de escola.
Bons tempos de escola, que também me presentearam com um grupinho que, embora hoje espalhado pelo mundo, está, de alguma forma, sempre presente. Paira entre nós um sentimento implícito de "conte comigo". Sim, vamos sempre rir das mesmas piadas, vamos sempre contar as mesmas histórias, e vamos sempre tirar onda uns dos outros. Porque somos amigos de escola. E estenderemos a mão um ao outro sempre que for preciso. Como todas as suas tentativas de me deixar bêbada fracassaram, nunca cheguei a fazer o discurso "amo vocês". Mas é a eles, junto com mais umas pessoinhas muito queridas que encontrei aqui e ali, que dedico esse texto. Por serem mais do que friends of mine.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Por um pouco de crédito

O dia tinha estado lindo, mas para nos lembrar da nossa localização geográfica, São Pedro salpicava-nos umas gotinhas d'água. Vinha eu, absorta em minha música, fones nos ouvidos, protetor de orelhas a cobri-los, andando sem pressa por esta tarde de inverno. Ela me sorriu de longe, e achei que não fosse comigo. Mas ela veio em minha direção e o movimento de seus lábios me obrigou a tirar o protetor de orelhas, tirar os fones dos ouvidos e pedir-lhe que repetisse.
- Sorry... do you have credit?
Pelo sotaque, ela claramente não era britânica. Por me abordar assim no meio da rua, ela claramente não era britânica. Surpreendida, não soube como interpretar a pergunta. Crédito? No banco? Na praça? Na vida? No celular? Batata, no celular. Sem muita filosofia, Taciana. Ali, parada no meio de uma calçada qualquer, ela precisava telefonar e, ó azar, o seu crédito acabara. Entreguei-lhe o meu celular, preparando-me para vê-la sair correndo com ele - não que seja um iphone, muito pelo contrário, mas o que esperar de uma criatura que lhe para na rua pedindo o celular emprestado? Mas em vez disso, ela simplesmente teclou um número, teclou de novo, mas não conseguiu contato. Sugeri-lhe enviar uma mensagem de texto, mas ela, sempre sorrindo, recusou e agradeceu, tocando-me no braço (tocando-me? Definitivamente, ela não era britânica).
Cheguei em casa e relatei o inusitado episódio a minha - britânica - companheira de apartamento, N. Ela me ouviu atônita, mas, britanicamente, evitou maiores comentários. Mais tarde, eis que toca o meu celular, e uma voz de homem pergunta: "você ligou para este número?" "Ah!", respondo eu, "é que uma menina me parou na rua e blá blá blá"; "Ah, ok". Clic.
Assim que desligo, grita N., de seu quarto, em um tom de total reprovação: "eu ouvi isso!!!", emendando: "NUNCA tente ajudar as pessoas."
E cá com meus botões, fiquei pensando se era mesmo essa a moral a ser tirada dessa história.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Pisca-alerta

Então, você está no controle. Senhora de si, que maravilha. Papai e mamãe já há algum tempo deram-lhe carta de alforria e agora é com você, big girl. Vai decidir sozinha pra que lado girar o volante. Medo de se perder? So sorry. Os pedestres, os passageiros dos ônibus, os outros motoristas, e até o seu carona vão oferecer ouvidos, ombros e conselhos cuidadosos, mas o caminho você é quem vai ter que decidir. No banco de trás, viaja a Sra. Responsabilidade - ela é toda sua. Grande, ela, né? Pesada... Assusta um pouco? Pois ao lado dela está muito confortavelmente instalado o Sr. Livre-Arbítrio. Ô sujeitinho de duas caras, viu? Faz a maior propaganda enganosa usando e abusando do nome da Sra. Liberdade, e quando você firma contrato, ele larga-lhe a mão e dispara: resolva sozinha, que aqui eu não apito. Sempre em cima do muro esse aí.
Mas acostume-se com eles, porque a Sra. Responsabilidade e o Sr. Livre-Arbítrio irão lhe acompanhando onde você for. Alegre-se! Pelo menos você não estará apenas na companhia da Srta. Solidão, que você trancou no porta-malas, mas que não para de fazer barulho. Então já que seus novos amigos insistem em repetir "você é quem sabe", arrisque, tente, resolva. E depois? Depois deleite-se em satisfação ou afunde-se em arrependimento. E depois ainda, diminua sua euforia ou recupere-se de sua depressão. E no terceiro depois, volte a um estado emocional regular e prepare-se para a próxima decisão na sua estrada.
Quanto mais saídas do giradouro, mais difícil escolher. Essa história de deixar a vida nos levar é uma delícia de comodidade, mas todo caminho se bifurca. E as placas, em vez de indicar claramente um destino, sinalizam apenas uma vaga direção. Aí o coração puxa para um lado, a cabeça empurra pro outro. O anjinho sussura uma opinião, o diabinho arrasta-lhe pela orelha em sentido oposto. E se você não consegue discernir para onde levam os caminhos, é porque eles ainda não existem. E apenas um deles, o sortudo que for escolhido, vai de fato concretizar-se.

Minha última grande experiência com decisões não transcorreu bem como eu esperava. Envolvi-me em uma colisão, girei, rodopiei, fiquei sem norte, perdi-me pelos caminhos e quando dei por mim, tava aqui. No momento, sigo em uma autoestrada, a todo vapor. Mas já posso enxergar a próxima bifurcação. Pra que lado irei ligar o sinal de pisca? Ô Solidão, minha filha, pare com esse barulho que assim não há santo que consiga raciocinar. Responsabilidade, pô, dá um tempo! Livre-arbítrio, vai ver se eu tou ali na esquina! Tenham dó, e deixem-me chegar mais perto. Eu preciso, ao menos, ver as placas.

E em tudo isso vinha eu pensando ao longo do Tâmisa, em uma singela caminhada dominical. "Faz-se o caminho ao andar".

sábado, 31 de janeiro de 2009

Há menos beleza no salão de beleza

Nunca fui vaidosa. Na minha pré-adolescência, para me obrigar a decidir sozinha o que vestir, minha mãe assim respondia a minha ladainha diária ("mããããe, que roupa eu visto?"): "o céu com todas as estrelinhas" ou "o mar com todos os peixinhos". Minha mãe sempre teve um senso de humor peculiar.
Na minha adolescência, eu só queria saber de camisetas grandes e folgadas. Era até onde chegava a minha pouca rebeldia, junto com um yin yang pendurado no pescoço e umas quatro ou cinco pulseirinhas hippie que minha mãe me obrigava a cortar fora quando havia algum evento mais formal (o que, para minha sorte e das pulseirinhas, era raro). No meu aniversário de 15 anos, ganhei uns vinte frascos de perfume - que nunca usei.
Provavelmente um pouco concernada, mamãe começou a me induzir a usar um brinquinho, depilar as canelas, e, com um pouco mais de esforço, pôr um batonzinho em ocasiões especiais. Minha vó colaborou comprando-me um par de lentes de contato.
Quando comecei a ter opiniões mais formadas sobre a vida e o mundo, minha falta de vaidade foi fortalecida por uma necessidade de negar a futilidade feminina. Não, eu não usava quarenta produtos no cabelo, não, eu não tinha paciência para vitrines de shoppings, não, eu não alisava o cabelo e não, eu não usava maquiagem. E como me orgulhava disso! No entanto, como consequência, eu ficava meio por fora nas rodas de Luluzinhas, mas também ficava de fora das rodas de Bolinhas, que nunca se rebaixariam a ponto de discutir futebol comigo, ainda que eu tivesse assinatura da revista Placar e acompanhasse com a Rádio Clube, Adilson Couto e Luís Cavalcanti, "a marcha da partida".
Também como consequência, salões de beleza eram para mim uma sala de tortura, onde eu não tinha ideia se queria minha unha quadrada ou redonda, e onde fizeram chacota de mim diante de minha ingênua justificativa para não fazer a sobrancelha ("eu gosto da minha sobrancelha"). No salão, convencem-nos de que precisamos de tantos "polimentos" que a conclusão óbvia que se deriva é: ao entrar lá, estamos um lixo. Enfim, somos treinadas para não gostarmos de nós mesmas e vermos defeitos em tudo. Trata-se de uma destruição feroz de autoestima - mas não se desespere, nada que uma tarde nas mãos de profissionais não resolva.
Hoje em dia sou uma mulher. Continuo achando pulseirinhas hippie uma graça e salto alto não faz parte da minha vida, mas comprei lápis, rímel, e uma sombra (cor da pele, para não aparecer muito). Não saio sem brinco (que mamãe briga), mas nunca pintei o cabelo, tampouco fiz escova de chocolate, morango ou baunilha. Gosto de escolher minhas roupas, ainda que rejeite babados, firulas e cor-de-rosa, e admito uma queda por sandálias. Porém o maior esforço que jamais tive que fazer neste campo foi comprar um secador de cabelos. Tudo bem, custou-me £2.50 em uma feira de usados, mas ainda assim, é um secador de cabelos, e é meu (!!!). Ainda não me acostumei a possuir um símbolo-mor da ditadura da beleza loura, lisa e esquelética da qual sigo lutando para me dissociar. Além disso, o secador destrói os meus cachinhos naturais. Mas no inverno de Londres, tudo que gera calor é bem-vindo. Entendam, foi uma questão de sobrevivência. Porém se em um futuro próximo eu escrever um outro texto cheio de desculpas para justificar a compra de uma chapinha, mandem me buscar. O caso é grave.

sábado, 24 de janeiro de 2009

De mentirinha

Em uma das crônicas de seu mais recente livro, "Doidas e Santas", Martha Medeiros pinta a pessoa honesta como um caso em extinção, um chato careta que não consegue integrar-se sequer às pequenas maracutaias nossas de cada dia.
Sem falso pudor, eu me considero uma pessoa muito honesta (ainda que perdendo para a minha mãe) e talvez por isso venha me chocando recentemente com (aparentemente) inocentes episódios da vida pública.

Esperávamos as pizzas. Na mesa, uma australiana, um inglês, e três inglesas, fim dos 20, início dos 30. O rapaz contava que tinha comprado um par de tênis, mas achava que tinham-lhe recomendado e vendido o número errado, e gostaria de trocá-lo, ainda mais agora que a loja estava com uma super promoção "compre 1, leve 2". Porém, como tirar proveito da promoção se ele JÁ havia comprado o tênis? Morrendo de fome como eu estava, não me sobravam muitos neurônios para prestar atenção na conversa, mas de repente eu me dei conta que toda a mesa estava mobilizada para encontrar um jeitinho para o problema: "diga que está fazendo calos" (!), "finja que ainda não usou" (!!), "por que você não faz um rasgão ou algum estrago e diz que veio assim?" (!!!), etc. etc. O objetivo era pôr a culpa na empresa e, lógico, se dar bem. Que bonito ver amigos se ajudando assim. Eu? Me abstive. Preciso ser aceita nos grupos sociais. Recolhi-me à minha caretice apreciando o divino queijo de cabra da minha pizza.

Dias depois, a mesma australiana reserva uma mesa para um tradicional chá com biscoitos em um hotel chique de Londres. E, assim, sem razão aparente, ou quem sabe para cavar um desconto ou qualquer coisa do gênero, inventa para o funcionário que comemorávamos o aniversário do mesmo rapaz inglês do tênis.
No meio do lanche, eis que o pianista dedilha um happy birthday to you e dois garçons aproximam-se com um prato decorado comemorativo. Todo o salão bate palmas em festa, e o rapaz (que convenhamos, não é um mau garoto) enrusbece ao agradecer com um sorriso sem-jeito, enquanto o restante da mesa (ingleses e australianos) ri, vibra e solta piadinhas. Eu? Decidi que mais valia a pena me inebriar do cheiro do meu chá de canela.

E assim, de mentirinha em mentirinha, vão as pessoas tentando tirar vantagem em tudo. Já parece até algo natural, faz parte do jogo, é assim que se ganha, ora não seja um pateta! Depois, moralistas, condenam os outros, indignam-se com falcatruas reveladas, gritam aos quatro ventos que político não presta e revoltam-se ao serem lesadas. Porque, claro, devem se achar, no mínimo, um exemplo de honestidade.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Pois é, pra que?

O trabalho liberta. Até no lema de Auschwitz, os nazistas conseguiram ser sádicos. Todo dia, os prisioneiros cruzavam o portão com esta inscrição rumo a um dia de trabalho escravo que provavelmente iria matá-los, mas por certo nunca os libertaria. Voltavam à boca da noite, amparando-se uns aos outros, obedecendo ao ritmo do som cruel de uma orquestra para facilitar a contagem.
Estes coitados tinham tido a sorte de, ao descerem do trem na plataforma dentro do campo de concentração, serem considerados aptos para o trabalho e, portanto, terem suas vidas poupadas. Poupadas de que? Pergunto-me se estes eram realmente os privilegiados, ou se na verdade eram os que, por nada, foram condenados ao inferno na terra.

Tudo se aproveitava. Os cabelos eram usados para fabricar tecidos, os pertences eram revendidos ou reciclados e até as cinzas viravam adubo. Assim como animais, dos quais comemos a carne, usamos o couro e, dos ossos, fazemos uma sopa.

Visitar Auschwitz foi angustiante, entrar nas celas me deixou sufocada; eu queria fugir, sumir, esquecer, negar. É difícil acreditar em tanta crueldade, enfrentar as montanhas de sapatos, de óculos emaranhados e de roupinhas de crianças. Os sacos de cabelos. Os olhares vazios nos rostos magros das fotografias me apavoravam, eu não conseguia encará-los, eles me cercavam pelos dois lados daquele corredor aterrorizante. Apressei o passo, olhar fixo no chão, que me deixem sair, eu não quero ver, não quero saber, já basta.
A excursão ficou pra trás e eu me vi então sozinha, emparedada entre os muros de Auschwitz, tonta de angústia. Antes estivesse eu, assim como outros membros do grupo, juntando os amigos para tirar uma foto, sorrindo, em frente à câmara de gás. Digam "xis". A vida é bela.

Não longe dali, no bairro judeu da cidade de Cracóvia, uma pichação no muro de uma sinagoga escancara uma outra ordem mundial: uma estrela de Davi, um sinal de igualdade, uma suástica. E algumas palavras de apoio à Palestina. Estampados na primeira página de um tabloide londrino neste início de ano, três meninos palestinos mortos, deitados um ao lado do outro, parecem apenas adormecidos em um sono angelical.

Os anos passam, as coisas mudam, e os seres humanos seguem matando seus irmãos. Cada grupo étnico ou religioso acha-se no direito de, agarra-se aos seus argumentos e mata em nome de Deus. E pra que? Absurdos como Auschwitz não se justificam em nome de absolutamente nada neste ou em qualquer outro mundo. A paz parece a mais longínqua das utopias. Imagina? "All the people. Living life. In peace"? Nem eu. Que Deus nos ilumine.

domingo, 11 de janeiro de 2009

A bondade que escolhemos ter

Eu acredito na bondade das pessoas. Falo de forma geral - claro que sinto medo ao avistar aquele "tipo suspeito" na rua. Mas, nas interações regulares da vida, tendo sempre a pensar que os outros são honestos, solidários e de bom coração. Nunca acho que o cobrador do ônibus, a garçonete ou o gerente do banco vão me enganar, roubar ou destratar.
Outro dia, perdi o avião. Cheguei dois minutinhos após o check-in ser encerrado, mas não houve conversa. Tudo que a mocinha da companhia fez, sem mais prelúdio, foi me informar os horários dos próximos voos. Deixei-me ficar por ali, com uma cara de "e agora José", como que esperando que, por mágica, aparecesse alguém conhecido, a quem eu pudesse pedir um conselho, uma opinião sobre o que fazer. Enquanto isso, fiquei a observar o trabalho da mocinha que me atendera.
Muito loura, com olhos azuis de gato, ela mantinha-se impassível frente a cada passageiro que chegava atrasado para o voo. Uns se desesperavam e cobriam o rosto com as mãos, outros se resignavam, outros ainda argumentavam, pediam, suplicavam, e finalmente alguns ficavam transtornados e perdiam as estribeiras. A tudo isso, assistia a mocinha sem esboçar qualquer reação, quase sem piscar os olhos que fitavam friamente o passageiro esperando que este tomasse um rumo. Quando uma jovem polonesa praticamente teve uma crise histérica no balcão, a mocinha e suas duas colegas uniram-se para enfrentar a fera, sem um mínimo de compreensão ou delicadeza, e assim que a jovem virou as costas e afastou-se bufando, as três soltaram gargalhadas visivelmente forçadas e claramente desnecessárias.
Entendo que todos os dias, vários passageiros venham chorar ao pé da mocinha de olhos de gato, que deve pensar consigo "lá vêm mais uma vez esses idiotas me encher a paciência" e "por que diabos eles não chegam na hora em vez de ficarem com essas caras de cachorros pidões". Entendo que, no fundo, ela não deve ser uma pessoa má, e deve queixar-se à mãe ou ao namorado que não aguenta mais esse emprego e essas pessoas repetindo a mesma ladainha como se ela pudesse fazer alguma coisa.
O que ela talvez não perceba é que há sim algo que ela pode fazer. Ela pode dizer, com uma certa doçura na voz, que sente muito, mas que as regras não podem ser descumpridas, e que há outras opções de voos, gostaria de vê-las? Uma postura amigável, mocinha, com um leve sorriso nestes olhos de gato, uma demonstração de compaixão no lugar desta fria indiferença, a deixaria por certo mais feliz, e, de quebra, ainda mais bela.