quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Yes we can

Dom Gentileza pegou o maior livro da estante na entrada da Livraria Cultura do Recife para me apresentar ao trabalho do artista brasileiro Vik Muniz: conhece? Ele faz desenhos com chocolate, açúcar, poeira... Hum. Eu não conhecia. Tampouco imaginava que dali a alguns dias eu estaria, sinceramente emocionada, apertando a mão do próprio Vik, em pessoa, congratulando-o pela fantástica palestra no encerramento da conferência Tangible, Embedded and Embodied Interfaces (TEI'2010) no MIT em Boston. Caraca!!! disse Gentileza, e eu, em sua homenagem, acrescentaria, pois é, o 'grande mistério' das coincidências da vida.

Vik desafia o impossível e pinta uma multidão de rostos com chocolate antes dele endurecer, faz grãos de poeira caírem sobre o papel formando prédios, e orienta aviões no céu para desenhar nuvens como em desenhos infantis. O trabalho de Vik torna-se ainda mais inspirador quando adornado por sua história de vida. Ao apartar uma briga, ele levou um tiro na perna, e com a indenização comprou uma passagem para os Estados Unidos e para uma carreira de muito sucesso. Em matéria de artes plásticas, nunca nada me impressionou tanto. Vik conheceu crianças no Caribe e as desenhou com açúcar, transformou catadores de lixo do Rio de Janeiro em artistas e leiloou quadros ali gerados revertendo toda a renda para a comunidade. Vik abriu uma escola de arte no Brasil, e assim me seduziu por completo. Mostrando que mesmo passados mais de 20 anos, a ligação com o Brasil não morre. Ele ajuda, contribui, divulga, e, o melhor de tudo, ele quer voltar.

A TEI'10 foi co-organizada por Marcelo Coelho, um jovem pesquisador brasileiro do MIT. Estavam ainda por lá o professor Hugo Fuks da PUC-RJ, com dois de seus alunos, uma estudante brasileira vinda da Suécia, e eu. Não éramos muitos, mas éramos um grupo privilegiado de brasileiros cujas trajetórias se cruzaram em um dos maiores centros de pesquisa do mundo. A plateia vibrou com a palestra de Vik, mas somente nós brasileiros a compreendemos por completo. Vik, Marcelo, Hugo, Débora, Eduardo, Camila, Taciana. Estar ali, naquela ocasião, representou uma realização na vida de cada um de nós, e uma constatação de que, ainda que longe, nunca esqueceremos de onde viemos.

Eu hei de voltar a eventos como esse, mas com 'Brasil', em vez de 'UK', no crachá. Eu hei de voltar sendo verdadeiramente eu, eu hei de voltar para contar uma história bem diferente, para falar do que anda rolando no meu país. Eu hei de voltar para, como Vik, mostrar que yes, we can.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Histórias pra contar, de dois mundos tão distantes

Passar férias no Brasil só tem um problema: é bom demais.

Quarta-feira, aeroporto de Heathrow
Minha mochila chegou ensopada, mas dos males o menor. Depois das quatro horas de cochilo estirada nas cadeiras do aeroporto de Lisboa, entremeadas por algumas idas ao banheiro e a compra de uma coxinha e um pacote de M&Ms com o que pude juntar de moedinhas de euros, faltavam agora apenas algumas baldeações de metrô até a minha cama.

Quinta-feira, 7.30am
Desligo o despertador e olho pela janela. Chove (eu quero é novidade). Lembro do dia amanhecendo no Marco Zero. Atravessar as pontes de um Recife que acordava ao som do murmurar suave do correr das águas do Capibaribe. Paz. O ar fresco gostoso de se respirar. A beleza do rio. A magia do momento. Engarrafamento. Cochilo no ônibus.

Quinta-feira, London Knowledge Lab
Como foram as férias, perguntam meio en passant, eu respondo com gosto, fantásticas (e ouço as risadas de meus irmãos pequenos nas águas mornas do mar pernambucano), maravilhosas (e lembro daquela inesquecível dança a dois, buscando espaço para rodopiar, suor escorrendo), muito, muito boas (e sinto os abraços, revivo os passeios, os reencontros, os surpreendentes novos encontros). Percebo olhares de inveja. Vai ver não era para eu responder de verdade, era só para dizer "fine". Escuto é, pelo menos alguém teve um bom Natal. Sabe como são as pessoas em Londres. Tipo assim, alegres.

Quinta-feira, Sainsbury's
Não tenho comida em casa. Mercado, compras, caixa, insira o cartão, coloque a senha, esqueci a senha. Aham, esqueci. Tipo, para sempre. Tinha 8 libras em dinheiro. Meu bronzeado ainda se vê muitíssimo bem, obrigada. Lembro de Seu Chico cantando Samba do Grande Amor para quem estava de coração partido. Tinha cá pra mim, que agora sim...

Segunda-feira
Já tenho comida. Incluindo queijo camembert e morango pra vitamina. Estou dependente do creme para mãos que ganhei no Natal. Comprei um par de botas de inverno ma-ra-vi-lho-sas. Caminhei até Covent Garden em um dia em que, considerando que eu estava com meu mega casacão, luvas e chapéu, o frio estava quase agradável. Londres continua cheia de turistas. Abriu uma boulangerie-pâtisserie-crêperie chamada Le Montmartre do lado do meu ponto de ônibus. Fico feliz só de ver esse pedacinho de França. Pelas minhas contas, tomei até agora quatrocentas e vinte e cinco xícaras de chá. Inglês. Beeem inglês. Com leite. Bom demais. Now we're talking. London, I'm back. Feliz 2010.