quinta-feira, 16 de junho de 2011

Não há um só remédio em toda a medicina

Prezado terapeuta,

Parece-me, não sei, tenho pensado sobre isso, parece-me que sou daquelas pessoas infelizes por falta de problemas. Sabe, como os nórdicos, que entram em depressão porque não têm do que reclamar? Pronto, mais ou menos assim. Não para me gabar, pois saiba que não sou disso, mas para contextualizá-lo mesmo, já que suponho que irá querer – ou melhor, terá que saber da minha vida, como se o senhor já não estivesse farto de ouvir tanto blá blá blá de pessoas com seus problemas ridículos e suas neuroses e tudo o mais e como se já não estivesse a ponto de dizer ao final da sessão, Get a life!, como se... enfim, o senhor terá que saber da minha vida. Mais uma vida de blá-blá-blás e problemas ridículos. Pois como eu ia dizendo, para contextualizá-lo, eu sou uma pessoa ótima. Auto-estima vai bem obrigada, sou inteligente, culta, bem-sucedida, viajada, não sou a garota de Ipanema, mas você também não é um Tom Jobim, enfim... Eu deveria ser feliz. Minha família é ótima, minha casa é ótima, meu trabalho é ótimo, meu corpo é ótimo, tem gente dormindo na calçada ali na esquina, tem gente sob bombas, tem gente que perdeu o movimento das pernas, tem gente que não ouve, tem gente que fuma, e eu venho aqui, pagar caro pra falar de que? De coisas ridículas.

Eu pareço feliz. Até para mim mesma eu pareço feliz. Não é que eu finja, viu? É que eu pareço mesmo. Mas quando eu me deparo comigo mesma... Olha, eu queria vir aqui dizer que o que mais me aflige são os problemas do mundo, o meio-ambiente, o terrorismo, sei lá. Causas nobres. E o senhor me pergunta, e o que mais te aflige, filha (terapeuta fala assim?)? Causas ridículas. Tenho vergonha de falar. Não combina comigo. Hã? Ah, sim, sigilo profissional, o senhor não vai contar a ninguém, mesmo porque há coisas mais interessantes a serem discutidas com sua esposa em casa do que ah, querida, hoje foi mais uma mocinha aflita lá no meu consultório falando de... coisas ridículas.

Como? Cuidar do meu jardim, que virão as borboletas? Ih, o senhor é de clichês auto-ajudísticos? Pfff... Como? Preconceituosa, eu? Digamos que meu nível de exigência é um tanto alto. Já sei, vai me dizer que a solução está na religião, meditação, respiração, doação, violão, dança de salão, animal de estimação. Não é? Poupe-se desse trabalho doutor, posto tudo isso, eu tenho apenas uma pergunta e deixo-lhe em paz, prometo, nem falo mais, nem penso mais, nem sonho mais, contanto que o senhor me diga, sem mais delongas. Isso passa?