quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

As guardiãs do passado

E parece que nunca saí da terrinha. Ainda que algumas coisas tenham mudado (os ônibus circulam no sentido oposto na Benfica e o Bompreço está estimulando o uso de sacolas retornáveis), Ieda Alves continua dizendo que "está indo nessa" na Nova Brasil FM e todo o país está comentando a novela das oito.
Aproveito uma parada em casa para reencontrar minhas coisas encaixotadas em um armário. Minhas coisas, minha história, minhas memórias. Carteiras de estudante desde 1995, com minha carinha mudando ao longo dos anos. Meus antigos diários - e que divertido é mergulhar nas curtições e preocupações de minha adolescência. Metade do que eu escrevia era sobre futebol, vôlei e Fórmula 1. Explicações detalhadas sobre Copas do Mundo e Olimpíadas, considerações variadas e declarações de amor a vários atletas, e muitos lamentos e perturbação com a morte de Senna. Em paralelo, minhas opiniões políticas e a decepção com o povo brasileiro quando este preferiu FHC a Lula. E finalmente, mas não menos importante, os garotos. Os mais bonitos do colégio, quem cortou o cabelo e ficou um gato, aquele cuja namorada é uma chata (claro), os sonhos impossíveis... os amores platônicos que encontravam um refúgio nas páginas de meus diários ainda escritos em francês, em uma época em que minha desenvoltura na língua ainda o permitia. Diários que eram meus amigos, companheiros que ganhavam até nomes, como aquele que eu chamava de Luanda, como a capital de Angola, sabe-se lá por quê.
Passada a época dos diários, as agendas entraram na moda. De tantos papéis e colagens, ao fim do ano elas mal fechavam. E depois, quando a vida nos torna sérios demais para tais bobagens, dizemos que não temos mais tempo e abafamos nossos sentimentos dentro de nós mesmos.
E aí vem a época em que os amores platônicos são substituídos por amores mais concretos. E então vêm as fotografias, cartões, cartinhas de amor que ainda não nos parecem ridículas, mas que fazem rolar discretas lágrimas de desilusão. Pelo que não foi, pelas promessas impossíveis e de fato não cumpridas. Mas por outro lado, um certo acalanto nos invade o coração, por ele um dia ter batido forte por tudo aquilo, que foi belo e sincero. Pedaços de vida que precisam então voltar para as caixas, bem tampadas, devolvidas ao rol das memórias. Junto às flautas, os bichinhos de pelúcia, as pedrinhas, os cadernos e os cartões postais.
Minhas queridas coisinhas, inúteis talvez, mas que fazem parte de quem eu sou. Não há como escapar da nostalgia que transborda das caixas guardiãs do passado.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

The girls night out

Sábado à noite, saímos do hotel para as ruas desertas e geladas de Zweibrucken, na Alemanha. Achamos o restaurante pelo apetitoso cheiro e abrimos timidamente a porta para encontrar um aconchegante recinto (bem quentinho!!) e atrair todos os olhares. Eram todos alemães, de 40 para cima, homens em sua maioria. Alguns estavam sentados ao balcão do bar jogando conversa fora. Ninguém era fluente em inglês, embora vários arriscassem algumas frases. E nós éramos quatro jovens mulheres, duas loiras e duas morenas, e certamente não originárias de Zweibrucken.
Abrir o cardápio foi frustrante - nada fazia sentido. Porém, em dois minutos já havia umas seis pessoas ao nosso redor, tentando traduzir o menu. Nisso aproxima-se um rapaz e deposita rapidamente em nossa mesa quatro bonecos de Papai Noel de chocolate, sem dizer uma palavra e sem esperar pelos nossos quatro enormes sorrisos e obrigadas.
Pedido feito, eis que um dos nossos tradutores, um senhor de 65 anos que já tinha tomado algumas, sem cerimônia puxa uma cadeira e senta-se conosco, iniciando uma conversa que foi quase um monólogo. Meio surdo e com um inglês precário, ele não nos compreendia, mas falou a noite toda, claramente animadíssimo com nossa presença. Ao nosso redor, seus colegas lançavam olhares curiosos, riam e traziam-lhe mais bebida, enquanto a dona do restaurante vez ou outra tentava tirá-lo de nossa mesa. Um ou outro senhor aproximava-se ocasionalmente para fazer perguntas do tipo "qual a distância de Londres para Manchester" (!!!).
Terminada a refeição, a simpática senhora que não falava uma palavra de inglês veio nos oferecer algum digestivo, tipo um licor. Diante de minha recusa, lançou-me um olhar de mais profundo estranhamento e tentou convencer-me a tomar, pelo menos, um café. A essa altura, eu já estava tendo alucinações, sonhando com uma simples garrafa d'água sem gás, coisa que não existe na Alemanha (isso acontecera comigo uns 20 anos atrás, mas eu achava que o país tivesse evoluído!!). Fiz toda espécie de mímica para a senhorinha compreender que eu queria algo sem bolhinhas, e ela me trouxe uma nova garrafa d'água, com menos gás que a primeira. Desisto. O café com Bailey's das meninas foi cortesia de um tal de Peter, que devia ser o dono o restaurante e estava rondando por lá também.
Por volta das 11 da noite, o restaurante foi invadido por uma multidão de senhores e senhoras vindos sabe Deus de onde. Resolvemos que era hora de ceder a mesa e bater em retirada. Para nossa surpresa, nosso pegajoso amigo vestiu o casaco e saiu conosco, disposto a acompanhar-nos ao hotel. Negamos veementemente e escapamos, refugiando-nos no quarto do hotel para prolongar as boas risadas de uma fantástica "girls' night out".