domingo, 24 de dezembro de 2017

Vida na medida certa

Há os que vêm só pelo calor. Para quem não tem um teto, as poltronas confortáveis em temperatura amena são ideais para um cochilo. Aqui qualquer um pode deixar-se estar e apreciar, da janela, os flocos de neve. Quando o céu abre-se em azul intenso, as temperaturas tornam-se glaciais e a neve cintila e ofusca, antes de derreter-se em lama traiçoeira por todas as calçadas. O inverno é um tempo de poucas opções. Aqui é uma delas.

Há os que chegam com seu material de estudo e espalham-se pelas mesas coletivas. Fogem de lares apinhados de arengas e barulho, ou carregados do silêncio ensurdecedor da solidão. Aqui, há um murmúrio doce e constante, um arrastar de casacos de inverno pendurados no dorso das cadeiras, um vai-vem de folhas de livros. Aqui há vida na medida certa.

Nas manhãs dos dias de semana, os idosos passeiam pelo espaço no seu ritmo, protegidos das perturbações do corre-corre interminável lá de fora, antes que cheguem os adolescentes de capuz ou cílios alongados, a arrastar suas botas molhadas, ávidos pelo acesso à Internet. Nos fins de semana, crianças saltitam com as pilhas de historinhas que vão garantir o seu entretenimento entre quatro paredes e - mal sabem elas - a saúde mental de seus familiares. Aqui acolhe-se a diversidade.

Depois de bater a neve das botas, retomar o fôlego, massagear as extremidades (con)geladas do meu corpo para estimular a circulação do sangue e assoar o nariz que escorre sempre, eu abro a segunda porta e me deixo abraçar pelo calor e cheiro dos livros. Só venho para buscá-los e devolvê-los, mas a vontade é deixar-me ficar sem motivo, contemplando o frio do lado bom da janela, ouvindo o murmúrio da tranquilidade ou o ronco dos sem-teto. Porque aqui, me sinto bem.