Nunca fui vaidosa. Na minha pré-adolescência, para me obrigar a decidir sozinha o que vestir, minha mãe assim respondia a minha ladainha diária ("mããããe, que roupa eu visto?"): "o céu com todas as estrelinhas" ou "o mar com todos os peixinhos". Minha mãe sempre teve um senso de humor peculiar.
Na minha adolescência, eu só queria saber de camisetas grandes e folgadas. Era até onde chegava a minha pouca rebeldia, junto com um yin yang pendurado no pescoço e umas quatro ou cinco pulseirinhas hippie que minha mãe me obrigava a cortar fora quando havia algum evento mais formal (o que, para minha sorte e das pulseirinhas, era raro). No meu aniversário de 15 anos, ganhei uns vinte frascos de perfume - que nunca usei.
Provavelmente um pouco concernada, mamãe começou a me induzir a usar um brinquinho, depilar as canelas, e, com um pouco mais de esforço, pôr um batonzinho em ocasiões especiais. Minha vó colaborou comprando-me um par de lentes de contato.
Quando comecei a ter opiniões mais formadas sobre a vida e o mundo, minha falta de vaidade foi fortalecida por uma necessidade de negar a futilidade feminina. Não, eu não usava quarenta produtos no cabelo, não, eu não tinha paciência para vitrines de shoppings, não, eu não alisava o cabelo e não, eu não usava maquiagem. E como me orgulhava disso! No entanto, como consequência, eu ficava meio por fora nas rodas de Luluzinhas, mas também ficava de fora das rodas de Bolinhas, que nunca se rebaixariam a ponto de discutir futebol comigo, ainda que eu tivesse assinatura da revista Placar e acompanhasse com a Rádio Clube, Adilson Couto e Luís Cavalcanti, "a marcha da partida".
Também como consequência, salões de beleza eram para mim uma sala de tortura, onde eu não tinha ideia se queria minha unha quadrada ou redonda, e onde fizeram chacota de mim diante de minha ingênua justificativa para não fazer a sobrancelha ("eu gosto da minha sobrancelha"). No salão, convencem-nos de que precisamos de tantos "polimentos" que a conclusão óbvia que se deriva é: ao entrar lá, estamos um lixo. Enfim, somos treinadas para não gostarmos de nós mesmas e vermos defeitos em tudo. Trata-se de uma destruição feroz de autoestima - mas não se desespere, nada que uma tarde nas mãos de profissionais não resolva.
Hoje em dia sou uma mulher. Continuo achando pulseirinhas hippie uma graça e salto alto não faz parte da minha vida, mas comprei lápis, rímel, e uma sombra (cor da pele, para não aparecer muito). Não saio sem brinco (que mamãe briga), mas nunca pintei o cabelo, tampouco fiz escova de chocolate, morango ou baunilha. Gosto de escolher minhas roupas, ainda que rejeite babados, firulas e cor-de-rosa, e admito uma queda por sandálias. Porém o maior esforço que jamais tive que fazer neste campo foi comprar um secador de cabelos. Tudo bem, custou-me £2.50 em uma feira de usados, mas ainda assim, é um secador de cabelos, e é meu (!!!). Ainda não me acostumei a possuir um símbolo-mor da ditadura da beleza loura, lisa e esquelética da qual sigo lutando para me dissociar. Além disso, o secador destrói os meus cachinhos naturais. Mas no inverno de Londres, tudo que gera calor é bem-vindo. Entendam, foi uma questão de sobrevivência. Porém se em um futuro próximo eu escrever um outro texto cheio de desculpas para justificar a compra de uma chapinha, mandem me buscar. O caso é grave.
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3 comentários:
Começa assim mesmo... um brinquinho.. um batonzinho... ja passasse pra fase do lápis, rimel e sombra ... e ja tem até um secador!!! Nao adianta... esse discurso todo anti-beleza ficou para o texto das lembranças do passado.. quem sabe o primeiro texto... a memória é uma ilha de ediçao... lá tu podes incluir "no passado... eu nao usava brinquinho, nao depilava a perna, nao usava batom, nem usava lapis, rimel e sombra.. tambem nao usava o secador.. é a memória é uma ilha de ediçao. Corta"..... (rs)
Chapinha não Letícia! Por favor! =) Saudades! Te cuida!
Taci, excelente! o final, então, genial! (eu sou a mãe, o que é que vocês querem?) Mas você está me entregando! E o que você quis dizer com "concernada"? é um galicismo?
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