quinta-feira, 28 de maio de 2009

A day in the life

Foi difícil sair do conforto de minha cama com a chuva batendo na janela
("hoje a chuva me acalma e também me faz pensar que se hoje ela se foi, amanhã irá voltar"). Após uns 15 minutos brigando com o despertador, me dirigi à cozinha no meu modo zumbi, com o único intuito de buscar uma colherada do brigadeiro que tinha feito no fim de semana, e voltar para a cama a fim de apreciar minha habitual dose matutina de glicose e cafeína com toda a calma que ela exige.

A trilha sonora que escolhi para o percurso até o lab não podia ser outra: forrozinho do Estakazero, para esticar o clima do show de Falamansa da noite anterior, ainda que depois do êxtase, me invadisse uma romântica melancolia, daquelas que fazem a gente achar tudo lindo e triste ("há muito tempo meu pensamento anda longe, na cidade tão distante que o destino me levou").

No lab, construí de isopor mais um objeto para as crianças usarem na nossa mesa interativa. Pintei de azul, e as gostosas pinceladas me fizeram querer voltar à escola ou virar uma artista. Não é todo dia que se pinta algo.

Almocei na agradável companhia de um colega brasileiro, e no meio da tarde escapei para um chocolate quente com as meninas do doutorado, uma da Grécia, uma do Japão, uma do Kuwait. Nunca pensei que fosse conhecer alguém do Kuwait ("se a vida é pra viver, vamos curtir o momento").

Vi um sapatinho preto na vitrine e quis comprar, mas estava sem dinheiro. Fui à biblioteca e na volta atravessei a Russell Square e a essa altura o sol brigava valentemente com as nuvens negras ("eu quero entender, eu quero entender, por que a roda da vida é assim, se é ruim desistir de alguém, então pior ainda é tentar esquecer").

No fim do dia um colega de Cingapura comentou que estava tarde e perguntou se eu costumava comer na rua ou em casa e depois de responder "em casa" eu fiquei pensando se ele estava muito timidamente procurando companhia pra jantar. Passei no mercado e o que me custou mais caro foram as cerejas e o peito de frango, enquanto as batatas estavam a preço de banana. Pra jantar fiz uma salada de cogumelos, tomates, espinafre e queijo brie, com folhinhas do nosso pezinho de manjericão, e sentei com Nicola em frente à TV. Preparei a famosa cup of tea para nós duas, Chris chegou do futebol com duas cervejas e elogiou minha saia.

No meu mundinho virtual, encontrei pessoinhas queridas e logo logo ficou tarde ("meu bem querer, minha esperança é não sofrer, eu morro, fico triste sem você"). Nem cuidei das roupas que precisam ser lavadas à mão. Amanhã vou experimentar o sorvete de caramelo e canela que Nicola comprou pra mim. Vesti minha camisola com as palavras "no meu coração" em letras grandes e cor-de-rosa, presente de D. Ju. Já já mamãe chega por aqui. Espero que o isopor não chupe a tinta azul. Tenho que ver quando vou devolver o livro. "No meu coração". Tá bom de trocar esses lençóis. Amanhã termino de organizar os resultados dos testes das crianças nem que faça serão. E preciso lavar esse cabelo. Night night, sleep tight. ("e a saudade da terra no meu coração")

Um comentário:

Analu. disse...

Que lindo. um dia como vc disse saudoso e com um quê de melancolia. Desculpe me a audácia em assim adjetivá-lo sem ao menos te conhecer, mas foi o que me passou. Um dia longo, e bom. Mas saudoso.