Sábado, Notting Hill
Seus movimentos são mínimos. Como se tivessem medo de pisar onde não deviam, bater em alguém ou derrubar algo, ou como se não tivessem direito de ocupar nenhum milímetro fora daquele espaço ali naquela calçada, ou como se alguém pudesse lhes roubá-lo, ou como se não tivessem domínio de seu próprio corpo e alguém os tivesse posto ali, e naquela posição, e a eles nada mais restasse a fazer a não ser cantar, até que voltassem para buscá-los, salvá-los e ajudá-los quem sabe a contar as moedas. Pés juntos demais, pernas um pouco tortas, eles olham meio pra cima, meio pra frente, não, eles olham para o nada. E o que será que veem lá...
Eu vejo a eles. Um segura o violão, o outro segura a capa do violão, para receber as moedas, bem junto a seu corpo, os braços dobrados, as mãos cerradas, como que para que ninguém leve esta capa, nunca, em nenhuma circunstância, por nada neste mundo.
Eu os escuto. Vejo a boca que abre e fecha tímida, medrosa, a ponto de quase não deixar sair a voz fina, fraca. Uma voz que parece vir do coração, resultar de tamanho esforço, de sofrimento, de profunda concentração, para agradar ao máximo, quiçá para não desafinar. Como se pudesse haver alguma punição. Como se pudessem fazer desaparecer todas as moedas.
Passam os passantes. Pra lá, pra cá. Agitados, barulhentos.
E no meio de tudo surgem os acordes de I Will. Mágicos. Lindos. Chego perto, deixo-me por ali, cantarolo bem, bem baixinho, tenho vontade de chorar. Quase bato palmas. Quase chego entre os dois e digo great choice. Quase decido não sair mais dali.
Mas sigo. Sem que eles saibam que eu existo, que passei por ali, que parei, que ouvi, que cantei, que me emocionei, que nunca tinha escutado I Will assim em uma calçada.
E eles seguem. Sem saber que tinham acabado de passar pela minha vida, que iriam virar personagens deste texto, que iriam ser apresentados a vocês leitores, que iriam ser recriados em diversas imaginações.
Os rapazes do olhar perdido de Notting Hill. E o que será que eles veem...
And if I ever saw you, I didn't catch your name, but it never really mattered, I will always feel the same.
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3 comentários:
ainda bem que tu escreve tuas coisas... eu me sinto menos sozinho no mundo! :-) bj!
fico feliz em saber :)
Eu estava falando com meu irmão isso ontem: quantas pessoas podemos tocar? quantos corações atingir? sem ao menos saber... É sempre um mistério. E as vezes com tão pouco...Há pessoas q passam e ficam, para sempre, independente da velocidade de sua estada. Espero tmb fazer a diferença para alguém, de vez enquando.
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