domingo, 13 de março de 2011

E a gente canta o sol de todo dia

Puerto de Huequitos, Peru, 4 da manhã. O "porto" não passa de uma comprida escadaria que leva ao rio. Esperamos o barco sob o silêncio poético de um céu estrelado. De tempos em tempos, um motor rompe a escuridão das águas. Dois homens carregam sobre as costas, uma a uma, intermináveis degraus acima, caixas de madeira que a julgar pelo esforço sobrehumano, devem conter chumbo. Prendem as alças na testa. Inclinam-se. Fraquejam. Arrastam-se. Como escravos de si mesmos.

Iquitos é uma cidade caótica espremida entre rio e floresta, incrustada no coração da Amazônia. A água é de qualidade duvidosa. Pelas calçadas, espalham-se tabuleiros de comida barata, ao redor dos quais uma população despreocupada mata sua fome, em meio ao barulho dos tuc-tucs motorizados que circulam enlouquecidamente pelas ruas. Paira, no voo dos mosquitos, a ameaça permanente de malária, dengue e febre amarela.

Nos vilarejos, sem energia ou água encanada, a subsistência é tirada do rio e da selva. Vê-se nas mulheres lavando roupa nas "quebradas", nos homens trançando palhas para os telhados, nas crianças carregando baldes pesados demais. Crianças. Soltas, por toda parte. Lindas, em seu desleixo. Despenteadas, mal-vestidas, brincando com seus pés nus a precariedade de uma infância que as conduzirá a um futuro de igual pobreza. E ainda assim, seus olhos curiosos parecem felizes. Há uma inexplicável paz na liberdade de uma vida de escassez, no balanço de uma rede, à beira do rio majestoso, à sombra da floresta. As crianças pousam os baldes e brincam a riqueza da natureza.

4.30. Um dos carregadores busca a última caixa. As nuvens agora cobrem todas as estrelas. Uma réstia de luz ameaça iluminar o horizonte. Aumenta o barulho dos tuc-tucs nas ruas. Iquitos acorda aos poucos. Com olhos e ouvidos, vigio o rio com ansiedade. Nem sinal do nosso barco.

4 comentários:

Victor disse...

muito bom! fiquei curioso pelo próximo capítulo!

Chihiro disse...

O blog voltou! Que legal! :-D
Saudades, Taci :-*****

aldir disse...

muito bom!é como se eu estivesse lá.

Anônimo disse...

Taci!!! Sabia que você escrevia bem, mas nao sabia que era tao boa!! Nossa parece escritora, jornalística, etc. Isso porque eu odeio ler viu, e to lendo seu blog! =P beijoo ass: andrea pontual