terça-feira, 28 de outubro de 2008

O punk, o homem nu e outros causos londrinos

East India Dock Road, parada do ônibus. Ele obviamente tinha dentes demais na boca. Uma longa capa preta pendurada em um dos ombros deixava aparecer um tubo metálico, com algumas rodelas de espuma igualmente espaçadas, preso às costas do dono. Botas pretas, calça justa preta, camiseta preta. Ao seu lado, uma velhinha simpática tentava ajudá-lo. Falavam de caminhos, reconheci nomes de ruas. A velhinha tratava-o como a um filho. Ao subir em seu ônibus, desejou: "God bless you, darling!". "Darling", pensei, eu chamaria esse punk de tudo menos "darling". Só, ele aproximou-se de mim. Puxou conversa. Falava enquanto eu balançava a cabeça sorrindo amarelo - que sotaque miserável (ou seria culpa dos dentes?) - eu entendia uns 20% de tudo que ele dizia. Mostrou-me os braços com marcas - algo definitivamente tinha-lhe acontecido "da última vez". Meu maravilhoso mundo de Bob logo imaginou que ele tinha apanhado da polícia em praça pública devido a alguma performance artística com o tubo metálico. Mas agora, disse ele, "cortei o cabelo, comprei umas roupas novas" (bela capa!), então, "fingers crossed", terei mais sorte. God bless you, darling.

***

Show da mexicana Julieta Venegas. Na fila na calçada, mexicanos, mexicanas, namorado(a)s de mexicano(a)s em todas as possíveis combinações, e eu. De repente, surge ele do nada, correndo e gritando, vestindo apenas uma mini-blusa cor de rosa transparente e justíssima. Eu disse APENAS isso. Corre rua acima... corre rua abaixo... e desaparece beco adentro. Provavelmente, uma despedida de solteiro. Oh, dear.

***

Comprei um panini e a moça colocou um pacote de batatas chips junto. Não gosto de batatas chips. Ao terminar meu sanduíche no banco de uma ensolarada Leicester Square, resolvi que não levaria as batatas comigo. Olhei para o cara do meu lado, que também lanchava. Vou oferecer as batatas. Ele vai achar que eu sou louca. Ele vai pensar que o estou tratando como mendigo. Ele vai pensar que as batatas estão envenenadas. Ele vai pensar que tem uma bomba no pacote de batatas!! Eu não vou levar essas batatas. "Excuse me", você gosta dessas batatas? Ela é louca, ele pensou. "É que eu comprei um sanduíche e elas vieram junto, mas não gosto...". Ele pegou as batatas resmungando algo incompreensível. Afastei-me rapidamente com um leve sorriso nos lábios. Que bom que me livrei das batatas.

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Do outro lado da rua, ela soluçava. O sinal de pedestre abriu e ela não se moveu. Cheguei ao lado dela ao mesmo tempo que uma outra moça. Paramos, uma de cada lado, e a moça perguntou-lhe o que se passava. "Eu estou muito assustada, muito assustada". A moça ofereceu-lhe o braço para atravessar a rua. Acenei com a cabeça e segui meu caminho. Coincidência ou não, a moça também não era inglesa. A mulher assustada era.

4 comentários:

Mayra disse...

um amigo meu, desiludido da vida, sempre costuma dizer que no estrangeiro a gente só pode mesmo contar com a boa vontade dos expatriados. como diria chico buarque: fui ver, e o expatriado era eu...
(que bom ler post novo, que bom, que bom! =D)

Erick J. R. Silva disse...

Visitar esse blog já está virando uma mania...
Chips são realmente muito perigosas para serem oferecidas... rs

Rosa disse...

Parece que Londres está ficando mais humana...
Mas, a pergunta que não quer calar: afinal, essa figura em trajes, digamos, mínimos conseguiu atrair a atenção de mais alguém fora essa brasileira ainda sem o fair-play londrino?

Taciana disse...

atraiu os olhares de toda a fila, mas em Londres cada um faz o que quer - e os outros que não se metam! :P