Puerto de Huequitos, Peru, 4 da manhã. O "porto" não passa de uma comprida escadaria que leva ao rio. Esperamos o barco sob o silêncio poético de um céu estrelado. De tempos em tempos, um motor rompe a escuridão das águas. Dois homens carregam sobre as costas, uma a uma, intermináveis degraus acima, caixas de madeira que a julgar pelo esforço sobrehumano, devem conter chumbo. Prendem as alças na testa. Inclinam-se. Fraquejam. Arrastam-se. Como escravos de si mesmos.
Iquitos é uma cidade caótica espremida entre rio e floresta, incrustada no coração da Amazônia. A água é de qualidade duvidosa. Pelas calçadas, espalham-se tabuleiros de comida barata, ao redor dos quais uma população despreocupada mata sua fome, em meio ao barulho dos tuc-tucs motorizados que circulam enlouquecidamente pelas ruas. Paira, no voo dos mosquitos, a ameaça permanente de malária, dengue e febre amarela.
Nos vilarejos, sem energia ou água encanada, a subsistência é tirada do rio e da selva. Vê-se nas mulheres lavando roupa nas "quebradas", nos homens trançando palhas para os telhados, nas crianças carregando baldes pesados demais. Crianças. Soltas, por toda parte. Lindas, em seu desleixo. Despenteadas, mal-vestidas, brincando com seus pés nus a precariedade de uma infância que as conduzirá a um futuro de igual pobreza. E ainda assim, seus olhos curiosos parecem felizes. Há uma inexplicável paz na liberdade de uma vida de escassez, no balanço de uma rede, à beira do rio majestoso, à sombra da floresta. As crianças pousam os baldes e brincam a riqueza da natureza.
4.30. Um dos carregadores busca a última caixa. As nuvens agora cobrem todas as estrelas. Uma réstia de luz ameaça iluminar o horizonte. Aumenta o barulho dos tuc-tucs nas ruas. Iquitos acorda aos poucos. Com olhos e ouvidos, vigio o rio com ansiedade. Nem sinal do nosso barco.
domingo, 13 de março de 2011
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