Quarta-feira de manhã. Meia hora no trem até Rayleigh. Tempo instável, mas a cada vez que as nuvens se dissipam, um azul esplêndido me hipnotiza. Poucas pessoas nas ruas desta cidadezinha suburbana, como em qualquer outra cidadezinha suburbana da Inglaterra. De tão perfeitinhas, as casas parecem de brinquedo. Flores no parapeito das janelas coloridas festejam a primavera. Portões baixos revelam que não há perigo.
Chego à escola para aplicar um teste em uma turma de adolescentes brancos, sem nenhum rastro de minorias étnicas. Na prepotência de seus 14 anos, as meninas carregam bolsas de madame, exibem seus cabelos escovados e olhos pintados, brincam com os celulares e desprezam a professora. Os meninos tiram gracinhas infantis e fazem bagunça.
Quarta-feira à tarde. De volta a Londres, resolvo explorar uma nova rota para o Tai-Chi. Uma caminhada de uma hora cruzando o bairro de Tower Hamlets, um dos mais carentes da cidade. Nos prédios feios, a proximidade das portas e janelas denuncia o minúsculo tamanho dos apartamentos. Um rapazote toca insistentemente a campainha de um centro comunitário em cujo muro está afixado um cartaz justificando o fechamento temporário do lugar devido ao "comportamento inadequado de certos indivíduos". De repente, me deparo com uma mini fazenda, onde vacas e ovelhas pastam em meio a encombros e lixo. No parque, adolescentes correm loucamente atrás de bolas. Uma feira em seus últimos momentos entulha a calçada com mercadorias baratas.
Todo tipo de minoria étnica cruza-se nas ruas, escancarando seus estereótipos. Negras com seus penteados extravagantes e batons vermelhos gargalham e falam alto. Árabes com suas burcas puxam crianças pela mão, em silêncio. Indianos negociam a cada esquina.
Os centros comunitários oferecem cursos, atividades de lazer, livros, computadores, filmes, jogos, na esperança de apaziguar os ânimos dos adolescentes que andam em gangues a esfaquear-se uns aos outros. Os centros vivem cheios, mas os seguranças atentos são apenas mais uma evidência das tensões que pairam no ar. Tensões de habitantes sem raízes, em busca de uma identidade, vivendo em suas ilhotas culturais em uma Londres de desigualdades. Dizem que Londres não é mais Inglaterra. De fato, nesse ritmo, não vai demorar muito para os ingleses virarem uma minoria étnica em sua própria capital.
domingo, 29 de março de 2009
sexta-feira, 13 de março de 2009
Também quero viajar nesse balão
Porque a mesa lá de casa está verde e amarela com os pés de manjericão e coentro e as flores que N. comprou.
Porque Michael Jackson vai fazer um show em Londres no dia do meu aniversário e eu nem gosto de Michael Jackson mas queria dizer que ele vai fazer um show em Londres no dia do meu aniversário. Fora os outros nove, neste mesmo verão.
Porque ao pegar meu exemplar de Fernando Pessoa - Quando fui outro lembrei daquela tarde na Livraria Cultura em que o mesmíssimo exemplar estava em suas mãos e eu o olhava feliz.
Porque C. estava assistindo Juno e por causa disso eu voltei a escutar a trilha sonora do filme que é muito fofa e me traz boas lembranças.
Porque B. me mandou um vídeo de suas escaladas mundo afora que, apesar de ter me deixado com inveja, me divertiu um bocado e deu vontade de ver de novo.
Porque minha lista de pessoas que me tomam por uma indiana cresceu mais um pouco.
Porque minha irmãzinha ficou muito feliz com o cartão gigante de aniversário que mandei pra ela, em formato de urso e cheio de adesivos de gatinhos, e me disse em recado do orkut que iria me "responder pelo correio".
Porque eu quase comecei a dançar no metrô quando a versão em forró do Trio Virgulino para Superfantástico tocou no meu ipod.
Porque ele me contou uma história fascinante, frase a frase pelo gtalk, porque estava no trabalho e "precisava disfarçar", e eu, em fim de expediente, recostada na cadeira e comendo uma laranja, fui criando cada cena em minha imaginação e pensei que eu preferia estar comendo um pastel de calabresa com queijo.
Porque a caminho do King's College atravessei a Waterloo Bridge e avistei o Big Ben e me dei conta que Londres tem suas pequenas maravilhas.
Porque meu professor de Pilates me disse dejame hacer algo e me agarrou os punhos, colou suas costas nas minhas e curvando-se, suspendeu-me sobre si, esticando-me como eu não sabia que podia ser esticada.
Porque um carinha me parou na rua e me mostrando o visor de seu celular perguntou se a mensagem estava escrita corretamente e eu lhe sugeri gentilmente acrescentar um "e" depois do "t" em unfortunatly (sic.).
Porque um amigo me escreveu um email só dizendo que, por nada, bateu uma saudade.
Porque B., quando me escreve, chama-me de Miss P. e eu acho bonitinho, parece que sou uma agente secreta ou uma detetive dos livros de Agatha Christie.
E porque, para essa apressadinha aí ao lado, já é primavera em Londres.
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