domingo, 14 de setembro de 2008

Com quantos vetores se navega uma jangada?

Já leu esse livro? Ah, tem que ler, é muito bom.
Já viu esse filme? Ah, tem que ver, é muito bom.

Quantos blogs você visita por dia? De quantas listas de discussão você participa?
Em quantas destas discussões você dá sua opinião? Sobre quantos assuntos você tem uma opinião?

João da Costa ou Mendoncinha? Barack Obama ou John McCain?

A quantas exposições de arte você foi mês passado? Você já viu esse programa da TV?
Conhece os sucessos do momento da música americana?
Como assim você não sabe quem é Rihanna? Já ouviu falar de Janis Joplin? Céu? Baba Cósmica? Balão Mágico? Jackson Five? Silvério Pessoa? Bicho de Pé?

Não me diga que você não sabe quem foi Anne Frank. Joana d’Arc? Ana Bolena?

Quantos habitantes tem Recife? E Londres? E Pequim? E Jacaré dos Homens?

Você já visitou um país cujo nome comece com D?

Entre na dança de salão. No coral. Na ioga. Alongue. Caminhe. Corra. Relaxe.

Mas não esqueça do prazo de submissão das conferências. Não esqueça de fazer as compras. Não esqueça que acabou o açúcar. Não esqueça de tirar a carne do congelador de manhã.

Carrregue o celular, a bateria da máquina fotográfica, o ipod, o laptop, o depilador.

Leia os jornais. Leia os artigos científicos. Leia os tablóides distribuídos no metrô.

Com quantos LEDs infravermelhos se faz uma mesa interativa? Com quantos reais se compra um carro usado?

Esteja preparado para falar em público, apresentando um seminário ou contando uma história numa mesa de bar.

Quantos países você já visitou? Quantas línguas você fala? Quantos programas sabe usar? Windows, MacOS ou Linux? Está no orkut? No Facebook? MSN? Second Life?

Lê quadrinhos? Vá mais ao cinema, ao teatro, aos museus.

Passe hidratante. Passe o aspirador no quarto. Não esqueça do protetor labial. Do casaco. Do cachecol. Das luvas. Da sombrinha. Lave o banheiro. Coma frutas. Mantenha-se bonito, jovem e saudável.

Conhece esse vinho? Sabe dirigir? Onde serão as próximas Olimpíadas? Sabe jogar Guitar Hero? Qual o atual time da seleção masculina de futebol do Brasil? Quem é o treinador do Chelsea? Com quantos vetores se navega uma jangada?

Tenha filhos. Apare as pontas do cabelo. Faça as unhas. Lixe a sola do pé. Compre lentes de contato.

Quantos links você visitou hoje? Quantas músicas baixou?

Não esqueça de fazer backup. Atualizar a homepage. Atualizar o vocabulário e passar a chamar homepage de site.

Veja o guia eleitoral. O jogo de futebol. O novo Batman. Leia o novo Saramago e o velho Dostoiévski.

Como se escreve Nietschze? Você sabe o que é niilismo? Você sabe cozinhar? Você sabe tocar algum instrumento musical?

Ligue para seus amigos. Dê atenção aos seus avós. Não esqueça de respirar. E relaxe lendo “As 101 coisas que você precisa fazer antes de morrer”.

3 comentários:

Unknown disse...

N I E T Z S C H E
=)

gostei do texto de sua HomePage

[]'s

davi.

Anônimo disse...

Nossa muito bom.
Quantos fazeres e "des"fazeres fazemos no nosso dia a dia eim? Nunca paramos pra notar o quanto estamos submersos nesse mar de informações. Gostei do jogo de palavras, você escreve bem.

Beijos, yzak

Jorge Falcão disse...

Vi há pouco o filme “O escafandro e a borboleta”, e estou terminando de ler o livro de mesmo título. Trata-se de livro escrito pelo jornalista francês Jean-Dominique Bauby, em condições absolutamente especiais: esse jornalista foi abatido aos quarenta e poucos anos, em pleno vôo existencial charmoso de jornalista de sucesso, por um acidente vascular cerebral gravíssimo, que o deixou completamente desprovido de qualquer movimento, exceto o bater da pálpebra do olho esquerdo; pra completar o desespero dessa tragédia, Jean-Do (assim o chamavam na intimidade) preservou uma mente totalmente lúcida, funcional, consciente da triste sina de se saber presa, como uma leve borboleta, no escafandro terrível de um corpo inerte (os neurologistas dão a esse quadro terrível o nome de “locked-in syndrome”). Com o fragmento de movimento (e de vínculo comunicativo com o mundo) que lhe restou, Jean-Do resolveu ir à luta, e às custas da ajuda de um anjo disfarçado em foniatra, escreveu um livro inteiro; esse anjo lhe fazia desfilar diante do único olho, incansavelmente, uma sucessão de letras do alfabeto da língua francesa, diante das quais Jean-Do dava uma breve psicadela para que determinada letra que vinha de ser mostrada fosse anotada. Assim, por piscadelas, letra por letra, palavra por palavra, frases, parágrafos, capítulos e finalmente um livro foi escrito heroicamente. Pouquíssimo tempo depois da publicação do livro na França, Jean-Do se deu por satisfeito, e se foi dessa vida, sem antes ter reafirmado sua humanidade, no que ela tem de mais belo e poderoso: a imensa dignidade e força interna de trocar a autopiedade e a revolta depressiva pela busca de um sentido para a vida, mesmo a vida de reclusão num tenebroso escafandro de carne. Por que trato desse livro/filme nesse meu comentário ao post de Taci? Porque justamente um dos pontos acerca dos quais Jean-Do reflete (e nos deixa como herança valiosa) em seu livro imperdível diz respeito ao frenesi da vida, essa coisa de correr, correr, agendar, tentar dar conta. Ao se recordar da vida que tinha, sob o ponto de vista terrível da vida que passou a ter, Jean-Do teve a iluminação de perceber que o problema maior não era tanto a correria em si, o frenesi, o tanto infindável de coisas por fazer: o problema maior era a falta de critério na escolhas das coisas, a falta de cuidado e responsabilidade existencial em termos do encaminhamento da vida; o problema maior era a grosseria decorrente do pouco cuidado na avaliação dos próprios sentimentos, dos sentimentos dos outros, do pouquíssimo conhecimento de si e dos outros enfim! Vítima da sua tragédia pessoal, Jean-Do pôde pela primeira vez olhar com profundidade para si mesmo (hélas, o que viu quase o fez sucumbir por várias vezes), e como por milagre, o olhar ao redor, incluindo pessoas, recordações, objetos, e até artefatos hospitalares, se intensificou como se de repente o mundo se desvelasse a quem até então vagara às cegas. A vida de Jean-Do, durante a feitura do livro, era intensa, era cheia de coisas para fazer, pois cada trecho do livro era construído e meticulosamente memorizado, para posterior transmissão à foniatra-escriba-auxiliar; além disso, havia a rotina de paciente inválido, com banhos nos braços de enfermeiros, passeios forçados, visitas médicas idem, enfermeiros que ligavam, trocavam de canal e desligavam a TV sem qualquer consideração, maqueiros que conduziam macas pelos corredores do hospital com a perícia de alucinados. Mas a intensidade nessa etapa da vida era de natureza diferente, pois o que restara de vida para Jean-Do tinha um eixo. Tinha uma referência interna. Jean-Do então me deu esse presente: não é grave viver a mil por hora, no frenesi do milhão de coisas por fazer. O problema é: por que, pra que se está correndo tanto? Qual o projeto, qual o eixo, finalmente? Corremos porque o tempo urge, ou corremos como o coelho de Alice no País das Maravilhas, aquele que está sempre atrasado, apesar de não saber para quê, precisamente? Corremos porque todo mundo corre? Corremos porque atrás vem gente? Corremos porque... por que mesmo corremos? Merci, Jean-Do, por mostrar tão pungentemente que qualquer vida merece ser vivida, e intensamente vivida, quando se assume a responsabilidade de tomar a vida nas mãos, fixar prioridades com critério e tocar o barco. Se pra ele, pra quem tudo o que restou foi um olho arregalado, atento e piscante, isso serviu para organizar a vida, para nós outros, cheios de dedos, braços, pernas, olhos e o resto, deve servir também. A não ser que a incompetência estrutural seja tanta que a ficha só venha a cair quando for tarde demais.