Eu estava com 31 anos, e o sistema educacional estava falido. Do lado de fora, era escuro. O cheiro dos eucaliptos alternava-se com o de bosta de cavalos. Os cachorros rondavam, amigáveis, em busca de afago ou de alguma fêmea no cio. Soprava um vento frio constante que me jogava os cabelos no rosto e brincava com minhas saias. Lá dentro, os poucos que se viam nos corredores vazios e silenciosos pareciam esperar nada, além do momento de ir embora. As salas de aula eram grandes demais para os gatos pingados que ocupavam uma ou outra carteira. Eu assumia a profissão a mim destinada desde menina. Passava a ser, oficialmente, uma peça atuante do sistema falido.
Éramos, todos, brilhantes. Com doutoramento em curso em instituições de renome, com participação nos melhores congressos internacionais, com publicações nas melhores revistas e passagens pelas melhores universidades. Acostumados a intenso trabalho intelectual, madrugadas de estudo e leituras intermináveis. A nata da nova geração de acadêmicos. Presos em um buraco negro, em que nada parecia funcionar, nada parecia sair do lugar, nada parecia ser feito para dar certo. A nata do sistema falido. A rigor, seria isso.
Tínhamos a missão hercúlea de motivar os alunos desmotivados, engajar os alunos desengajados, convencer os desacreditados, interessar os desinteressados. E a nós, quem motivava? Quem sabe os olhares sonolentos, o silêncio dos corredores, o coaxar dos sapos, a escuridão dos arredores? Ou talvez as repetidas vezes em que nos encontrávamos sozinhos em sala de aula, à espera de alunos que não vinham? Pensando quanto tempo seria sensato esperar, olhando da porta para o relógio, fingindo distrair-se com qualquer coisa, como um celular que não obtinha conexão de qualquer tipo entre as paredes daquele prédio. O prédio do sistema falido.
Foi um ou outro olhar. Uma ou outra mão que me foi estendida, e em que ousei confiar. Não desista de nós, professora, é possível.Tornei-me capaz de vibrar com as pequenas vitórias da sala de aula árida e assustadora. Mínimas, que fossem. Bobas, talvez, mas belas aos meus olhos. Belas, apaixonantes, como nunca eles hão de imaginar. Que um deles entendesse, que outro lembrasse, que outro fizesse. Entre os bocejos e as ausências, eu aprendi a persistir. Por vaidade, por loucura, por amor, por ideologia, ou por tudo isso. Apeguei-me, sofri, desesperei-me sem que eles soubessem, em alguns momentos até mesmo, eu fui feliz. Ali, eu soube que não poderia fazer outra coisa da vida. Eu soube ali. Ali, sentindo o vento nas folhas dos eucaliptos, ouvindo o silêncio dos corredores, andando sozinha na escuridão. Que fosse, eu soube ali. Que fosse ali, sem estrutura, sem sinal de celular, sem computadores, sem lugar decente para comer e às vezes até sem alunos. Eu soube, ali.
quarta-feira, 2 de outubro de 2013
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