sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Amigos amigos, friends à parte

Daqui a mais um pouquinho, completo um ano no reino de Sua Majestade, the Queen of England. Não é que me sinta em casa (there's nothing like home) mas ouso dizer que consegui preencher o meu celular com um número suficiente de contatos a quem posso recorrer em uma emergência (touch wood!). Parece dramático, mas a sensação de nobody cares ao se aterrissar sozinha em uma terra estranha assusta, e o fato de saber que alguém vai perceber se você desaparecer já é um grande avanço.
No entanto, laços de amizade não se firmam do dia pra noite, especialmente em um caldeirão cultural como Londres. Aqui, todo mundo tem muitos friends. A palavra voa de boca em boca: "a friend from work", "a friend of mine", "I'm meeting some friends", "that's my friend". Friend, porque não tem outra palavra, mas pode ser alguém que você mal conhece. Não deixa de ser uma companhia legal, mas não é aquela pessoa a quem você vai responder "estou péssima" quando ela vier com o casual "tudo bem?". Você vai responder: "tudo bem". E sem maiores detalhes, falar dos diferentes tons de cinza do céu e daquele dia em que fez sol, do casamento da ex-Big Brother que está com câncer e em todos os tabloides, e das suas últimas e próximas viagens. Dá pra se divertir e dar boas risadas, mas entre tantos friends, contam-se os amigos nos dedos.
Quando voltei da França e passei uns meses na minha antiga escola, falei pra minha vó, com quem morava: "M. é minha melhor amiga". Com sua habitual seriedade, vovó retrucou: "Amiga? Você está lá há pouquíssimo tempo... diga que ela é sua melhor colega, mas não sua melhor amiga.". Fiquei triste, pois estava desesperadamente precisando de amigos, mas nada como a sabedoria dos anos. É, vovó, M. nunca passou de uma friend.
Muitos friends cruzam nossos caminhos e por que alguns deles tornam-se amigos é um mistério. Há alguns dias reencontrei, depois de 17 anos sem contato, minha "grande amiguinha" da temporada francesa. Tínhamos apenas 11 anos quando nos separamos, mas nunca hei de menosprezar a força das amizades dos tempos de escola.
Bons tempos de escola, que também me presentearam com um grupinho que, embora hoje espalhado pelo mundo, está, de alguma forma, sempre presente. Paira entre nós um sentimento implícito de "conte comigo". Sim, vamos sempre rir das mesmas piadas, vamos sempre contar as mesmas histórias, e vamos sempre tirar onda uns dos outros. Porque somos amigos de escola. E estenderemos a mão um ao outro sempre que for preciso. Como todas as suas tentativas de me deixar bêbada fracassaram, nunca cheguei a fazer o discurso "amo vocês". Mas é a eles, junto com mais umas pessoinhas muito queridas que encontrei aqui e ali, que dedico esse texto. Por serem mais do que friends of mine.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Por um pouco de crédito

O dia tinha estado lindo, mas para nos lembrar da nossa localização geográfica, São Pedro salpicava-nos umas gotinhas d'água. Vinha eu, absorta em minha música, fones nos ouvidos, protetor de orelhas a cobri-los, andando sem pressa por esta tarde de inverno. Ela me sorriu de longe, e achei que não fosse comigo. Mas ela veio em minha direção e o movimento de seus lábios me obrigou a tirar o protetor de orelhas, tirar os fones dos ouvidos e pedir-lhe que repetisse.
- Sorry... do you have credit?
Pelo sotaque, ela claramente não era britânica. Por me abordar assim no meio da rua, ela claramente não era britânica. Surpreendida, não soube como interpretar a pergunta. Crédito? No banco? Na praça? Na vida? No celular? Batata, no celular. Sem muita filosofia, Taciana. Ali, parada no meio de uma calçada qualquer, ela precisava telefonar e, ó azar, o seu crédito acabara. Entreguei-lhe o meu celular, preparando-me para vê-la sair correndo com ele - não que seja um iphone, muito pelo contrário, mas o que esperar de uma criatura que lhe para na rua pedindo o celular emprestado? Mas em vez disso, ela simplesmente teclou um número, teclou de novo, mas não conseguiu contato. Sugeri-lhe enviar uma mensagem de texto, mas ela, sempre sorrindo, recusou e agradeceu, tocando-me no braço (tocando-me? Definitivamente, ela não era britânica).
Cheguei em casa e relatei o inusitado episódio a minha - britânica - companheira de apartamento, N. Ela me ouviu atônita, mas, britanicamente, evitou maiores comentários. Mais tarde, eis que toca o meu celular, e uma voz de homem pergunta: "você ligou para este número?" "Ah!", respondo eu, "é que uma menina me parou na rua e blá blá blá"; "Ah, ok". Clic.
Assim que desligo, grita N., de seu quarto, em um tom de total reprovação: "eu ouvi isso!!!", emendando: "NUNCA tente ajudar as pessoas."
E cá com meus botões, fiquei pensando se era mesmo essa a moral a ser tirada dessa história.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Pisca-alerta

Então, você está no controle. Senhora de si, que maravilha. Papai e mamãe já há algum tempo deram-lhe carta de alforria e agora é com você, big girl. Vai decidir sozinha pra que lado girar o volante. Medo de se perder? So sorry. Os pedestres, os passageiros dos ônibus, os outros motoristas, e até o seu carona vão oferecer ouvidos, ombros e conselhos cuidadosos, mas o caminho você é quem vai ter que decidir. No banco de trás, viaja a Sra. Responsabilidade - ela é toda sua. Grande, ela, né? Pesada... Assusta um pouco? Pois ao lado dela está muito confortavelmente instalado o Sr. Livre-Arbítrio. Ô sujeitinho de duas caras, viu? Faz a maior propaganda enganosa usando e abusando do nome da Sra. Liberdade, e quando você firma contrato, ele larga-lhe a mão e dispara: resolva sozinha, que aqui eu não apito. Sempre em cima do muro esse aí.
Mas acostume-se com eles, porque a Sra. Responsabilidade e o Sr. Livre-Arbítrio irão lhe acompanhando onde você for. Alegre-se! Pelo menos você não estará apenas na companhia da Srta. Solidão, que você trancou no porta-malas, mas que não para de fazer barulho. Então já que seus novos amigos insistem em repetir "você é quem sabe", arrisque, tente, resolva. E depois? Depois deleite-se em satisfação ou afunde-se em arrependimento. E depois ainda, diminua sua euforia ou recupere-se de sua depressão. E no terceiro depois, volte a um estado emocional regular e prepare-se para a próxima decisão na sua estrada.
Quanto mais saídas do giradouro, mais difícil escolher. Essa história de deixar a vida nos levar é uma delícia de comodidade, mas todo caminho se bifurca. E as placas, em vez de indicar claramente um destino, sinalizam apenas uma vaga direção. Aí o coração puxa para um lado, a cabeça empurra pro outro. O anjinho sussura uma opinião, o diabinho arrasta-lhe pela orelha em sentido oposto. E se você não consegue discernir para onde levam os caminhos, é porque eles ainda não existem. E apenas um deles, o sortudo que for escolhido, vai de fato concretizar-se.

Minha última grande experiência com decisões não transcorreu bem como eu esperava. Envolvi-me em uma colisão, girei, rodopiei, fiquei sem norte, perdi-me pelos caminhos e quando dei por mim, tava aqui. No momento, sigo em uma autoestrada, a todo vapor. Mas já posso enxergar a próxima bifurcação. Pra que lado irei ligar o sinal de pisca? Ô Solidão, minha filha, pare com esse barulho que assim não há santo que consiga raciocinar. Responsabilidade, pô, dá um tempo! Livre-arbítrio, vai ver se eu tou ali na esquina! Tenham dó, e deixem-me chegar mais perto. Eu preciso, ao menos, ver as placas.

E em tudo isso vinha eu pensando ao longo do Tâmisa, em uma singela caminhada dominical. "Faz-se o caminho ao andar".