segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Por que você não olha para mim?

Cada vez que saio de Londres, confirmo uma impressão que não é só minha. Em Londres, somos invisíveis. E os sujeitos do meu "somos" não são os brasileiros, as mulheres, seres de pele cor de jambo ou qualquer outra "minoria étnica", como eles "respeitosamente" chamam esses grupelhos mais passíveis de discriminação. Quando digo "somos", incluo até mesmo os "brancos britânicos" (nossa, existe algo superior a isso??).

Em Londres, vista você meias-calça pink, cubra-se você de tatuagens e piercings, ou aposte no jeans e camiseta básicos, dá na mesma - ninguém vai olhar mais ou menos para você por causa disso. Esteja você gargalhando ou debulhando-se em lágrimas, o carinha do "London paper" vai continuar atravessando o braço na sua frente sacudindo mais um exemplar grátis do tablóide inglês. Resumindo, de nada adianta pôr uma melancia na cabeça, esqueça, você NÃO VAI chamar atenção.

Isso tem seu lado bom. Desde que você esteja dentro das regras, não pare no lado esquerdo da escada rolante e não deixe nenhuma bolsa ao léu, você pode fazer / vestir / ir / se comportar como bem entender sem que ninguém aponte-lhe o dedo ou fofoque com o vizinho. Há poucas coisas comparáveis à maravilhosa solidão de se entrar nas zilhões de lojas da Oxford Street sem trocar uma mísera palavra com qualquer vendedor(a), quanto mais entrar naquelas conversas insuportáveis e falsas que começam com algo do tipo: "como é teu nome, lindona?". Ir ao parque quando está sol, ler um livro, esparramar-se na grama, ouvir música e voltar pra casa sem dar satisfação nenhuma ao mundo. Perder-se na multidão.

Por outro lado, ainda me revolto quando esbarro em alguém ou vice-versa, e, ao me virar para pedir desculpas ou recebê-las, não consigo sequer identificar a pessoa envolvida, que já sumiu na sua pressa que a impede de perder 2 segundos da sua jornada para um - não peço simpático, mas ao menos cordial - sorry. Em Londres, todos os pais estão na forca. Estações de metrô são um capítulo à parte, verdadeiros campos de batalha. E não adianta você colocar seu vestidinho verão ou sua charmosa boina de outono - até mesmo Gisele Bundchen passaria despercebida.

Nunca recebi tantas cantadas e olhares na rua quanto neste fim de semana que passei em Portugal. Tudo bem que meu físico de minoria étnica deve ter contribuído; em Londres há tantas etnias que nada é diferente, ou tudo é. As de burca sentam-se ao lado das de minissaia no metrô. Mesmo assim, nada mau para a auto-estima feminina ouvir uns elogios por aí. "Muito linda!", "Jesus!!!", "Que bela saia!". É, vai ver que, afinal de contas, eu não sou tão mau assim. Pelos menos para aqueles que me vêem. E salve a pátria lusitana! Ora, pois pois.

domingo, 14 de setembro de 2008

Com quantos vetores se navega uma jangada?

Já leu esse livro? Ah, tem que ler, é muito bom.
Já viu esse filme? Ah, tem que ver, é muito bom.

Quantos blogs você visita por dia? De quantas listas de discussão você participa?
Em quantas destas discussões você dá sua opinião? Sobre quantos assuntos você tem uma opinião?

João da Costa ou Mendoncinha? Barack Obama ou John McCain?

A quantas exposições de arte você foi mês passado? Você já viu esse programa da TV?
Conhece os sucessos do momento da música americana?
Como assim você não sabe quem é Rihanna? Já ouviu falar de Janis Joplin? Céu? Baba Cósmica? Balão Mágico? Jackson Five? Silvério Pessoa? Bicho de Pé?

Não me diga que você não sabe quem foi Anne Frank. Joana d’Arc? Ana Bolena?

Quantos habitantes tem Recife? E Londres? E Pequim? E Jacaré dos Homens?

Você já visitou um país cujo nome comece com D?

Entre na dança de salão. No coral. Na ioga. Alongue. Caminhe. Corra. Relaxe.

Mas não esqueça do prazo de submissão das conferências. Não esqueça de fazer as compras. Não esqueça que acabou o açúcar. Não esqueça de tirar a carne do congelador de manhã.

Carrregue o celular, a bateria da máquina fotográfica, o ipod, o laptop, o depilador.

Leia os jornais. Leia os artigos científicos. Leia os tablóides distribuídos no metrô.

Com quantos LEDs infravermelhos se faz uma mesa interativa? Com quantos reais se compra um carro usado?

Esteja preparado para falar em público, apresentando um seminário ou contando uma história numa mesa de bar.

Quantos países você já visitou? Quantas línguas você fala? Quantos programas sabe usar? Windows, MacOS ou Linux? Está no orkut? No Facebook? MSN? Second Life?

Lê quadrinhos? Vá mais ao cinema, ao teatro, aos museus.

Passe hidratante. Passe o aspirador no quarto. Não esqueça do protetor labial. Do casaco. Do cachecol. Das luvas. Da sombrinha. Lave o banheiro. Coma frutas. Mantenha-se bonito, jovem e saudável.

Conhece esse vinho? Sabe dirigir? Onde serão as próximas Olimpíadas? Sabe jogar Guitar Hero? Qual o atual time da seleção masculina de futebol do Brasil? Quem é o treinador do Chelsea? Com quantos vetores se navega uma jangada?

Tenha filhos. Apare as pontas do cabelo. Faça as unhas. Lixe a sola do pé. Compre lentes de contato.

Quantos links você visitou hoje? Quantas músicas baixou?

Não esqueça de fazer backup. Atualizar a homepage. Atualizar o vocabulário e passar a chamar homepage de site.

Veja o guia eleitoral. O jogo de futebol. O novo Batman. Leia o novo Saramago e o velho Dostoiévski.

Como se escreve Nietschze? Você sabe o que é niilismo? Você sabe cozinhar? Você sabe tocar algum instrumento musical?

Ligue para seus amigos. Dê atenção aos seus avós. Não esqueça de respirar. E relaxe lendo “As 101 coisas que você precisa fazer antes de morrer”.